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Em 2024, diante de um alto número de mortes por atropelamento, o Governo do Distrito Federal tomou uma decisão: instalar gradis nos canteiros de algumas das principais vias da cidade para “reforçar a segurança do pedestre”. Segundo Mozer Teixeira de Castro, engenheiro do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), “essa instalação de gradis tem uma função social de disciplinar o pedestre”.
A medida “educativa” serviria para orientar o pedestre para a utilização das passarelas, evitando as travessias clandestinas, que colocam a vida dele e de terceiros em risco, como explica o engenheiro. A – aparentemente boa – intenção de proteger o pedestre “rebelde” na verdade demonstra uma visão de mobilidade que definitivamente não o valoriza. O problema é que esse tipo de medida torna o andar a pé cada vez mais hostil. Enquanto isso, os gestores urbanos deveriam estar mais preocupados em investigar por que exatamente os pedestres estão preferindo atravessar na via ao invés de utilizar a passarela, e como seria possível atendê-los de uma forma mais confortável e eficiente.
O problema das travessias clandestinas se assemelha ao que chamamos em Brasília de “caminhos de rato”. São caminhos informais que ficam marcados em áreas gramadas, formados espontaneamente por pedestres que atravessam por ali. Como no caso das travessias perigosas, nos “caminhos de rato” o pedestre dá um jeito de fazer o que é necessário para ele de uma forma mais confortável, mais rápida ou mais eficiente. E, da mesma forma, ele utiliza meios informais para fazer isso.
O que a existência de fenômenos como “caminhos de rato” e travessias clandestinas significam, afinal?
1) Que existe uma demanda que a infraestrutura formal não está atendendo;
2) Que essa demanda é considerável, porque se somente 1, 2 ou 10 pessoas passassem por aquele caminho gramado, ele não estaria tão visivelmente marcado. Ou no outro caso, o governo não investiria mais de 3 milhões de reais em gradis se a quantidade de pessoas que já atravessaram a via fosse ínfima;
3) Que o projeto daquele espaço falhou em deixar de conectar os locais da forma como os pedestres precisam.
Em relação a esse terceiro ponto, o projeto da cidade de Brasília como um todo é muito ilustrativo, apesar do problema ser comum a todas as grandes cidades brasileiras. Há falta de conexão para pedestres – e ciclistas, diga-se de passagem – porque o planejamento foi fortemente voltado ao automóvel particular como modal principal. Isso se torna um problema ainda maior quando pensamos no conceito da “última milha”, que é “o trajeto entre a origem ou o destino à parada de ônibus ou à estação de metrô”, geralmente feito a pé. Ou seja, o andar a pé é uma parte essencial dos deslocamentos diários de quem utiliza majoritariamente o transporte público também. Portanto, negligenciar o pedestre é grave e afeta a qualidade de vida de milhares de pessoas.
Em diversos casos, não é difícil identificar os motivos pelos quais os pedestres optam por comportamentos alternativos. Se olharmos, por exemplo, para o emblemático caso do “Eixão”, uma das principais vias de Brasília, já é de conhecimento geral que as travessias subterrâneas – a única opção formal para o pedestre – são escuras e perigosas. Assim, os pedestres se veem divididos entre o medo do atropelamento (se optarem por atravessar por cima) e o medo de assaltos (se optarem por atravessar por baixo). Como já dizia a música de 1997 do Legião Urbana: “Nossa Senhora do Cerrado, protetora dos pedestres que atravessam o eixão às seis horas da tarde, fazei com que eu chegue são e salvo na casa da Noélia”.
O padrão de escolha dos pedestres, neste caso, ficou evidente na pesquisa realizada em 2023 pelo IPEDF (Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal):
Continuando a análise das escolhas dos pedestres pela informalidade, vejamos agora um caso de “caminho de rato” na Asa Norte, em Brasília. O espaço é um terreno vazio entre uma área institucional (onde fica a Universidade de Brasília) e uma área residencial e comercial. Portanto, é um espaço de “transição” onde muitos circulam a pé, nem que seja para ir até a parada de ônibus mais adequada.
O “caminho de rato” começa justamente numa faixa de pedestres e chega até uma parada de ônibus. Coincidência? Pelo contrário, as pessoas estão deixando muito claro, através da informalidade, como o caminho delas poderia ser mais rápido e eficiente. A melhor opção de trajeto formal que elas poderiam fazer possui o dobro da distância do “caminho de rato”.
Voltando ao caso dos gradis mencionados no início, foram feitas instalações no Pistão Sul, uma das principais ruas de Taguatinga, que é o espaço de transição entre uma área residencial e a principal área comercial do bairro. Ao longo de um trecho de mais de 600 metros onde os gradis foram instalados, há apenas uma passarela. Isso sem considerar que a travessia por ela é muito mais lenta, já que exige a utilização das longas rampas. Será que é mesmo difícil entender por que tantas pessoas optam pela travessia clandestina neste caso?
Como alternativa às passarelas, a matéria do Mobilize Brasil sugere, por exemplo: uma redução nas velocidades e instalação de semáforos de pedestres; um rebaixamento do tráfego motorizado para permitir a travessia de pedestres em nível; ou um redesenho das passarelas para evitar os ziguezagues.
Gestores urbanos precisam entender que a informalidade das ações dos pedestres não são ao acaso e sempre carregam consigo um significado. Significado que, na maioria dos casos, é fácil de desvendar, desde que haja um olhar atento ou simplesmente perguntem às pessoas. Ao mesmo tempo que não poupamos dinheiro, tempo e energia tentando facilitar o trânsito de automóveis, continuamos desconsiderando que as pessoas que andam a pé também querem conforto, rapidez e eficiência para que possam se deslocar com facilidade e ter mais tempo para suas outras atividades cotidianas.
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