Pela participação popular informada

2 de agosto de 2024

Nem todo desejo da comunidade deve virar programa de necessidades.

“Fiz um questionário com os frequentadores do local, e eles responderam que o número atual de vagas de estacionamento é suficiente”, disse um estudante ao apresentar seu trabalho final de graduação para a banca da qual eu fazia parte. “Nossa!”, pensei, “Quem são essas pessoas? Nunca vi ninguém dando esse tipo de opinião num questionário”. Não resisti e comentei que estava impressionada com essa resposta, que ela era muito incomum: normalmente todo mundo quer mais estacionamento, até quem não tem carro! O estudante explicou: “Inicialmente, elas responderam que achavam que tinha que ter mais estacionamento ali, mas aí eu ponderei: não seria melhor uma praça, um lugar de descanso e convívio, do que mais estacionamento? Aí eles pensaram melhor e mudaram a resposta”.  Tudo ficou claro. “Hum… então o entrevistado era você!”, eu disse, rindo.

Gosto de contar esse episódio para falar de participação popular não informada.

Com a primeira resposta que os entrevistados deram, o que caberia ao arquiteto? Fazer uma praça, sabendo do potencial do lugar para isso? Não: ampliar o estacionamento. Ponto. Afinal, é isso que a comunidade quer, não?

Uma grande parcela da nossa sociedade quer cercas elétricas, muros, guaritas, condomínios fechados, grandes bolsões de estacionamento gratuito. É chocante a quantidade de pessoas no Brasil que corta árvores porque elas sujam a calçada. Já falei aqui que as pessoas não querem bancos para não dar a chance a alguém em situação de rua – ou alguém desconhecido, simplesmente – de sentar neles. Neste artigo trato das implicações de posturas bastante preconceituosas de comunidades homogêneas em Brasília, que põem a boca no trombone para não se misturar (para dar apenas um exemplo, pessoas estavam contra a construção de uma escola pública no bairro, porque seria só para os filhos das empregadas domésticas, já que seus filhos só frequentavam escolas particulares).

Então vamos fazer cidades segregadas, muradas, quentes, desumanizadas e excludentes porque é isso que as comunidades querem? Será esse o nosso papel?

Desculpe, não.

A gente tem que lutar com todas as forças para informar a população, para tornar acessível o conhecimento acumulado e compartilhado ao longo de anos de estudo, pesquisa e formação. Precisamos consolidar formas de construir uma participação cidadã consciente da complexidade urbana, daquilo que é ético e necessário para uma cidade mais resiliente e justa.

Quando o estudante mostrou a possibilidade de uma praça, ele ampliou o horizonte daqueles entrevistados, que refletiram sobre novas alternativas de ocupação do espaço em questão e mudaram sua resposta. Claro que o que ele fez está errado, como pesquisa científica. Não se influencia, assim, o entrevistado, pois isso invalida toda a informação coletada. Não houve imparcialidade aí. Mas… o exemplo vale. Com um pouco mais de informação, a opinião pode refletir uma consciência maior do que a cidade contemporânea precisa.

Projetar com as pessoas é um caminho sem volta, felizmente. A linda frase associada às pessoas com deficiência: “nada sobre nós, sem nós”, cabe perfeitamente aqui. No entanto, não sejamos ingênuos a ponto de achar que a informação e a contextualização serão suficientes para uma participação popular democrática de alta qualidade. Sempre haverá grupos com posturas segregadoras e antiurbanas que, sim, estão informados e estão pouco se importando com as consequências deletérias que seus desejos podem gerar para a cidade. A gente tem que lutar com todas as forças para que eles nunca preponderem sobre os demais.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. (ceep.unb@gmail.com)
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