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O Prêmio Nobel de Economia de 2024, concedido por pesquisas sobre o papel das instituições no desenvolvimento econômico, reforça a importância da distinção entre instituições inclusivas e extrativas. Como argumentam Acemoglu e Robinson, instituições inclusivas “garantem direitos de propriedade segura, aplicação imparcial da lei e um campo de atuação nivelado para todos”, incentivando a inovação e o crescimento econômico.
Em contraste, instituições extrativas, como definidas pelos mesmos autores, “concentram o poder nas mãos de uma pequena elite e criam barreiras à entrada que impedem o crescimento econômico”. Essa dicotomia se manifesta claramente no planejamento e desenvolvimento urbano, com consequências profundas para a qualidade de vida e a prosperidade das cidades.
Em metrópoles globais como São Paulo, é universal o desejo por morar próximo ao trabalho e a infraestrutura de qualidade. No entanto, a legislação urbana de São Paulo, em contraste com cidades como Nova York, impõe restrições severas à construção de moradias, especialmente em áreas centrais com boa infraestrutura e oferta de empregos.
Bairros como Jardins, Alto de Pinheiros, Pacaembu e Morumbi, e o entorno do Parque Ibirapuera, exemplificam essa realidade. Essas restrições, que privilegiam uma minoria abastada, configuram um exemplo claro de instituições extrativas, conforme a definição de Acemoglu e Robinson. Ao invés de promover o acesso à moradia para a maioria da população – o que caracterizaria instituições inclusivas – as regras vigentes em São Paulo perpetuam a exclusão e a desigualdade.
Alain Bertaud, em seu livro “Ordem sem Design”, argumenta que “as regulamentações de uso do solo frequentemente se tornam ferramentas para a exclusão social e a segregação espacial”. A situação de São Paulo ilustra essa problemática. Uma imagem aérea da região do Ibirapuera revela o que Bertaud denomina “deserto urbano”: uma área subutilizada, com uso predominantemente residencial, pouca diversidade, comércio escasso e, consequentemente, insegura. Esse vazio em uma região central da cidade contrasta fortemente com a vibrante densidade do entorno do Central Park, em Nova York, caracterizado por uso misto (comercial e residencial), diversidade, comércio abundante e intensa atividade. Como Bertaud defende, a “densidade e a mistura de usos são essenciais para a vitalidade urbana e a acessibilidade”.
A diferença entre os dois parques e seus entornos reflete diretamente a influência das instituições. Enquanto Nova York fomenta um ambiente inclusivo que permite o desenvolvimento de uma área densamente povoada e diversificada, São Paulo mantém instituições extrativas que privilegiam a exclusividade de pequenas associações de moradores da elite em detrimento da vitalidade urbana de todos. Não é surpresa que o Central Park e seu entorno sejam um polo de atração em Nova York, enquanto o Ibirapuera, em São Paulo, permanece subaproveitado. A região, que poderia ser o coração da vida urbana paulistana, apresenta densidade demográfica inferior à de muitas cidades do interior do estado e muito inferior à densidade de regiões da periferia da cidade.
Essa política urbana excludente gera consequências negativas para toda a cidade. A baixa densidade nas áreas centrais força a ocupação das periferias, resultando em um trânsito caótico que impõe longos deslocamentos diários a grande parte da população. Essa situação é ineficiente economicamente e injusta socialmente. Como aponta Bertaud, “políticas urbanas que restringem a oferta de moradias em áreas centrais levam inevitavelmente à expansão urbana descontrolada e ao aumento dos custos de transporte”.
A influência política de grupos privilegiados, como destacado por Acemoglu e Robinson ao descreverem o poder das elites em moldar as instituições a seu favor, dificulta a mudança dessas regras. A perpetuação dessas instituições extrativas, apesar de suas ineficiências, demonstra a resistência a reformas que poderiam beneficiar a maioria da população.
A recente eleição para a prefeitura de São Paulo é evidência forte do problema. Nenhum candidato teve coragem de enfrentar essa questão nas eleições de 2024, o que mostra o poder dessas elites locais em manter o status quo. Ao não haver debate com a maioria da população que está sendo prejudicada e teria interesse em melhorar a vida na cidade, está praticamente garantida a continuidade destas instituições extrativas por mais um ciclo.
Resposta às críticas que foram feitas na versão preliminar deste texto, que foi publicada no LinkedIn:
“O espaço ao redor do Central Park não é inclusivo, são prédios de luxo e lojas para a alta renda.”
No contexto desta argumentação, ser ou não ser inclusivo depende de qual o critério de comparação. Comparado com os arredores do Ibirapuera, não há a menor sombra de dúvidas que os arredores do Central Park é uma ocupação mais inclusiva do espaço urbano. A ocupação com uso misto de comércio e residências garante um fluxo de pessoas que trabalhará naquela região e consequentemente haverá comércio para atender esses trabalhadores também. Além disso, o parque é acessado por todo tipo de pessoa, o que também aumenta a demanda por comércios de amplo acesso. Nos arredores do Ibirapuera, ao contrário, temos um deserto urbano. Não há comércio, nem emprego, nem nenhum motivo para alguma pessoa ter interesse de passar por lá. É um espaço apenas para os moradores da região, e mesmo eles se precisarem de alguma coisa terão que se deslocar para outra área da cidade. E isso no centro da metrópole mais populosa do hemisfério ocidental e do hemisfério sul. É a ocupação mais excludente e extrativa possível.
Da parte do comércio de luxo, isso ocorrer em Nova York não significa que ocorreria também em São Paulo. Nova York é um destino turístico global, recebendo 60 milhões de turistas por ano apenas na cidade, sendo 12 milhões turistas internacionais. Enquanto isso, o Brasil inteiro recebe a metade dos turistas internacionais de Nova York, apenas 6 milhões. A demanda elevada por luxo em Nova York reflete parte de um mercado global, o que em São Paulo não teria um efeito tão forte.
“Se o entorno do Ibirapuera for ocupado por prédios, só vai aumentar os prédios para a alta renda, congestionar a região e não vai resolver nada dos problemas da cidade.”
Falso, não é assim que funciona a economia de uma cidade. Mesmo se parte destes imóveis forem apenas imóveis para rendas mais altas, eles estarão substituindo <casas> de alta renda em que não mora ninguém. Se um terreno em que morava apenas 1 família de alta renda passarem a morar 20, 30, 40 famílias, são famílias que estavam morando em outras regiões da cidade e que se deslocarão para um lugar mais conveniente para elas. Os imóveis antigos de moradia dessas pessoas serão colocados no mercado para que outras pessoas possam comprar ou alugar, permitindo que outras famílias se desloquem para regiões mais convenientes para elas. Essa corrente de realocações de moradia das pessoas é conhecida em economia urbana como “housing ladder” (“escada da moradia”) ou “filtering effect” (“efeito filtro”). Pesquisas empíricas mostram que um prédio novo em uma boa localização pode iniciar uma corrente de realocação de moradias em até 6 passos, indo da renda mais alta até a renda mais baixa. Um estudo recente do economista Evan Mast no Journal of Urban Economics mensurou que a criação de habitação para 100 pessoas de renda mais alta inicia uma realocação de moradias que termina permitindo que de 45 a 70 pessoas com renda abaixo da média da região consigam acessar uma moradia melhor do que a anterior.
O que ocorre em São Paulo é o inverso. Instituições extrativistas impedem a construção em bairros nobres da cidade perto de onde estão os empregos, enquanto deixam adensar a construção na periferia da cidade. O resultado é uma concentração de pessoas morando em regiões onde a infraestrutura urbana é ruim e que é distante de onde estão os empregos. Essas pessoas precisarão fazer grandes deslocamentos todos os dias para conseguirem trabalhar ou acessarem o comércio de maior escala, criando a distopia de São Paulo na qual 70% dos trabalhadores leva mais de 1h para chegar no trabalho e em média o cidadão de São Paulo leva 1h30 para ir e voltar do trabalho.
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