O “investimento” em viadutos e o “subsídio” ao transporte coletivo

15 de outubro de 2024

Andy Singer é um desenhista norte-americano que se notabilizou pelos cartuns em que critica diversos aspectos da sociedade contemporânea, particularmente a lógica rodoviarista e a priorização do automóvel como meio de transporte nas grandes cidades.

Em um dos meus cartuns favoritos, ele apresenta um sistema viário congestionado por carros e caminhões movidos a combustíveis fósseis em contraposição a um singelo trem movido a energia elétrica.

Enquanto, ironicamente, o primeiro caso é classificado como “investimento público”, o segundo é apresentado como “subsídio”, em referência ao aporte de recursos necessário para a operação do sistema – muitas vezes entendido, equivocadamente, como um “desperdício de dinheiro público”.

A sustentabilidade financeira do transporte de massa depende do máximo aproveitamento das economias de escala, o que significa um elevado número de passageiros – este, por sua vez, induzido por maior oferta, qualidade e integração dos modos de transporte.

É claro que o déficit na conta dos sistemas é um problema para o seu financiamento, de forma que medidas de diversificação das receitas, aumento da eficiência operacional e do número de passageiros devem ser perseguidas. Contudo, na conta do transporte público também deveriam ser considerados os benefícios socioambientais associados.

Ainda que traduzir esses benefícios em valores financeiros não seja trivial, trata-se de um exercício fundamental para defender que os recursos públicos sejam cada vez mais direcionados ao transporte coletivo e à mobilidade ativa, e menos ao transporte individual motorizado – que, vale sempre lembrar, é o principal responsável por custos sociais associados a tempo perdido em congestionamentos, emissão de poluentes e acidentes de trânsito nas cidades brasileiras.

A Metrofor (empresa de economia mista do Governo do Ceará que realiza o transporte de passageiros sobre trilhos no estado), por exemplo, divulga anualmente seu Balanço com estimativas dos benefícios socioambientais gerados por sua operação.

Em 2023, esses benefícios teriam somado R$ 149 milhões, sendo 54% desse valor decorrentes da redução nos tempos de viagem; 21% decorrentes da redução do custo operacional de ônibus, automóveis e motocicletas; 17% da redução dos acidentes de trânsito; 8% da redução do consumo de combustíveis; e 1% decorrente da redução da emissão de poluentes.

Descontando esse valor do subsídio aos passageiros (de R$ 184,6 milhões), chega-se a um subsídio efetivo de “apenas” R$ 35,6 milhões. Ou seja, quando consideramos os benefícios socioambientais, o valor do subsídio cai para menos de 20% e a operação se mostra sustentável não somente em termos ambientais, mas também financeiramente, uma vez que um aumento de 15% no número de passageiros transportados por ano, mantidos os mesmos custos, seria suficiente para que todo subsídio fosse restituído à sociedade na forma de benefícios socioambientais.

Como eu disse, para que os recursos públicos sejam direcionados ao transporte coletivo e à mobilidade ativa, de forma a induzir uma diminuição do uso de automóveis, a popularização de estudos e estimativas desse tipo é fundamental.

Da mesma forma, a publicização de programas de recapeamento e grandes obras viárias, como viadutos e vias expressas, poderia vir acompanhada não apenas pelas cifras investidas e promessas (muitas vezes falsas) de ganhos em termos de mobilidade, desenvolvimento econômico e geração de emprego, mas também pelos custos sociais associados aos automóveis.

Já imaginaram essas informações em destaque na propaganda dessas obras?

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos (vitor.meira.franca@gmail.com).
VER MAIS COLUNAS