10 cidades que estão projetando ruas para crianças
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O arquiteto e urbanista francês Alain Bertaud esteve no Insper para o lançamento de seu livro “Ordem sem Design”.
5 de junho de 2023O que seriam das cidades sem o urbanismo? Ora mais, ora menos caótica, seguindo uma ordem espontânea, por vezes sem planejamento, essa área de conhecimento está diretamente associada ao estudo, à regulação, ao controle e ao planejamento de um município. Atualmente, poucos profissionais carregam um repertório tão profundo e completo sobre o aspecto urbanístico das cidades quanto o arquiteto e urbanista francês Alain Bertaud, senior fellow no Marron Institute of Urban Management da Universidade de Nova York, ex-planejador urbano do Banco Mundial e autor do livro Ordem sem Design – Como os mercados moldam as cidades, cuja versão em português foi lançada em 11 de abril no Insper, em São Paulo.
Bertaud ganhou a reputação de “Indiana Jones dos arquitetos”, como lembrou Tomas Alvim, coordenador-geral do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, na abertura do evento realizado no auditório da escola. Explica-se a comparação com o arqueólogo interpretado pelo ator Harrison Ford no filme Os Caçadores da Arca Perdida (1981), de George Lucas e Steven Spielberg: assim como Indiana Jones se aventurava no desconhecido para descobrir tesouros escondidos, Bertaud viajou extensivamente ao longo de mais de meio século de carreira, atuando em cidades no mundo inteiro para entender como elas funcionam. Ao longo de sua trajetória, o urbanista francês trabalhou diretamente ou orientou projetos em países como China, Iêmen, Índia, Tailândia, México, Rússia e África do Sul. Cada cidade visitada nos mais diferentes continentes contribuiu para formar sua visão.
Em sua palestra no Insper, Bertaud explicou por que as cidades são, primordialmente, mercados de trabalho. Segundo ele, as pessoas vão para as cidades em busca de oportunidades de emprego. E as empresas se instalam nas cidades, mesmo sendo caras, porque é mais provável que encontrem ali os trabalhadores de que precisam. “Na verdade, as cidades são muito mais do que um mercado de trabalho. Elas são o lugar onde você encontra seus amigos, onde talvez você vá conhecer seu parceiro, onde vai a restaurantes, ao museu, à exposição. Mas tudo isso só é possível se o mercado de trabalho funcionar.”
E como é um mercado de trabalho que funciona? Segundo Bertaud, é quando os imóveis são acessíveis e o transporte é eficiente, de tal modo que os moradores conseguem se deslocar de uma parte da cidade a outra em menos de uma hora, com um tempo médio de cerca de 30 minutos. “Ao menos, essa deveria ser a meta do planejamento”, disse.
Bertaud observou que as cidades nascem de ordens espontâneas, a partir da migração das pessoas — independentemente da vontade dos planejadores. Ele ilustrou essa ideia com alguns exemplos. Um deles foi um gráfico mostrando a evolução demográfica de Paris (de 1600 a 2020) e Manhattan, em Nova York (1700 a 2020). Nesse intervalo, os aumentos e decréscimos populacionais que ocorreram em ambos os lugares foram resultados não de um planejamento central, mas da mobilidade espontânea de pessoas que escolhiam um lugar para morar ou trabalhar com base em seus próprios interesses e influenciadas por eventos importantes como Revolução Francesa, Revolução Industrial, guerras e depressão econômica.
“As pessoas se mudam para as cidades por causa das atividades e da qualidade das pessoas que moram ali”, disse Bertaud. É por isso que é tão difícil criar uma cidade do zero. A exceção são as capitais. No caso do Brasil, um exemplo é Brasília, a capital federal projetada por Lucio Costa e criada do zero no centro do país. “Quando você muda uma capital, como foi o caso de Brasília, você transfere também os servidores públicos, que se mudam porque não têm escolha. Mas, em geral, é muito difícil criar uma nova cidade.”
A tese de Bertaud é que os mercados fornecem o melhor mecanismo para alocar recursos em ambientes urbanos, permitindo a criação de redes de transporte eficientes, diversas opções de moradia e bairros comerciais vibrantes. Para ele, o planejamento não deve ter como objetivo controlar o resultado do desenvolvimento urbano, mas facilitar as interações entre indivíduos e forças de mercado. Ao se eliminar as barreiras regulatórias que impedem a livre circulação de pessoas e mercadorias, as cidades podem funcionar de forma mais eficiente e responder melhor às necessidades dos seus moradores.
Bertaud defende que o papel do governo é de facilitação, e não de controle. Para ele, o urbanismo atual regula demais as construções privadas e não cuida adequadamente das áreas públicas e infraestruturas urbanas. O urbanista francês propõe deixar as áreas privadas livres para o mercado construir o que quiser, com uma regulação apenas para evitar incômodos para os vizinhos, e um planejamento proativo da infraestruturas públicas.
A aplicabilidade das ideias de Bertaud ao Brasil foi ressaltada por Victor Carvalho Pinto, coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório. Ele exemplificou o excesso de regulação urbanística com a Lei do Zoneamento de São Paulo, que traz 33 tipos de zonas, 15 índices para construção de edifícios e 86 categorias de usos de imóveis. Além disso, essa é apenas uma entre as leis que um empreendedor precisa consultar para construir na cidade, ao lado do plano diretor, do Código de Obras e das normas de acessibilidade, prevenção de incêndios e proteção do patrimônio cultural. Carvalho Pinto participou do bate-papo com Bertaud ao lado de Alvim e do arquiteto e urbanista Anthony Ling, fundador do site Caos Planejado.
Da plateia que assistia ao debate veio esta pergunta: “Como substituir o zoneamento para algo mais moderno?” Para o urbanista francês, é preciso conversar com as pessoas e monitorar regulações antigas, para monitorar seus resultados. “Cidades antigas, como Roma, também tinham regras. Você não podia, por exemplo, jogar água suja no terreno do seu vizinho. É preciso ter regulamentos para a vizinhança”, observou Bertaud. Ele afirmou, contudo, que não há necessidade de normas detalhadas como as das leis de zoneamento. “Uma coisa que eu nunca colocaria no zoneamento é a regulação do consumo. O excesso de regulamentos pode forçar as pessoas a usarem mais terras do que o necessário.”
As favelas, uma realidade brasileira, são parte do cenário da cidade. Nesse caso, Bertaud recomenda regularizá-las e melhorá-las, desenvolvendo o acesso ao mercado de trabalho. Afinal, lembrou ele, as pessoas mais pobres têm restrições variadas, como falta de dinheiro para bancar a condução. “Transporte subsidiado, por exemplo, ajudaria.” O mesmo se aplica à oferta de gás e eletricidade nas favelas, segundo Bertaud. O objetivo é integrar pessoas mais pobres aos aspectos gerais de cidadania. Pela sua análise, isso pode levar ainda de duas a três gerações, assim como pode ser mais rápido. Por isso, é importante ter planejamento. “Não é questão de caridade, mas de integração das pessoas”, destacou.
Durante o debate, Tomas Alvim perguntou qual seria o currículo ideal para formar um planejador urbano. Bertaud respondeu: “Ter olhos críticos. Sair para a rua, não ser paternalista. Os planejadores têm que ser modestos no sentido de observar a realidade nas ruas. Eles precisam entender a população e o que ela faz na região.” Embasamento é essencial. O urbanista francês ressaltou que seus melhores alunos são aqueles que dispõem de dados que eles mesmo coletam. “Aprende-se muito sobre uma cidade andando”, afirmou.
Publicado originalmente no Insper em maio de 2023.
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