Mais um Maio Amarelo acabou. E o que mudou nas cidades?
Após o mês do movimento de conscientização para a redução de acidentes de trânsito, precisamos refletir sobre como temos lidado com esse problema.
Entenda quais são as soluções de planejamento, governança, parcerias e implementação técnica de projetos que fazem da Holanda uma referência em adaptação climática.
10 de julho de 2025À medida que eventos climáticos extremos impactam as cidades brasileiras com mais frequência e intensidade, governantes municipais têm se visto diante do desafio urgente de adaptar as cidades. Em outros países, esse desafio é parte da agenda urbana há séculos.
É o caso da Holanda. Com 26% do território abaixo do nível do mar e 60% com risco de inundação, a população se organizou em “conselhos da água” que foram as primeiras instituições democráticas do país. A gestão hídrica e a adaptação climática são vistas como agendas de estado, e o poder público incorpora infraestruturas tradicionais e soluções baseadas na natureza (SBN) como ações complementares, e não antagônicas, no planejamento para resiliência.
Para conhecer essa realidade, a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) e o WRI Brasil realizaram uma missão com lideranças municipais brasileiras por cinco cidades holandesas. Parte da agenda da Comissão Permanente da FNP de Adaptação Urbana e Prevenção de Desastres (CASD), a missão percorreu, com financiamento do Instituto Itaúsa, os municípios de Haia, Amsterdã, Roterdã, Delft e Nimega (Nijmegen), com o objetivo de fortalecer lideranças locais para criar estratégias de resiliência focadas nas pessoas.
Mais de 25 participantes, incluindo prefeitas e prefeitos, vices, secretárias e secretários municipais de Boa Vista (RR), Igarassu (PE), João Pessoa (PB), Juiz de Fora (MG), Niterói (RJ), Poá (SP) e Santa Bárbara do Tugúrio (MG), conheceram as soluções de planejamento, gestão, governança, parcerias e implementação técnica de projetos que fazem da Holanda uma referência em adaptação climática. A seguir, compartilhamos algumas dessas boas práticas.
A realidade geográfica da Holanda exige planejamento a longo prazo e governança integrada entre as autoridades de água, governo federal e governos locais. Em Haia, a comitiva visitou a Associação de Municípios Holandeses, onde conheceu o histórico da governança hídrica nos Países Baixos e como se organizam os municípios.
A governança hídrica do país inclui “autoridades da água” — entidades responsáveis pela gestão, monitoramento e regulação dos recursos hídricos. Eleitas a cada quatro anos, as autoridades foram a primeira forma democrática de governo da Holanda. Esse histórico e estrutura foi apresentado à comitiva na Waternet, uma das nove companhias de água do país, por representantes da Autoridade de Água da região de Amsterdã e da Associação das Autoridades Regionais de Água nos Países Baixos.
Leia mais: Mudanças climáticas: mitigar, adaptar-se ou sucumbir
Se há dicotomia entre infraestrutura cinza e infraestrutura verde-azul, a Holanda é uma exemplar exceção. Sistemas de diques convivem com parques alagáveis, em uma mostra de como engenharia e natureza são componentes valiosos, necessários e complementares no desafio da adaptação.
Em Amsterdã, a missão conheceu a estratégia que “esverdeou” a cidade integrando ações de planejamento urbano, meio ambiente e mobilidade. O código de obras municipal prevê que todo projeto de impermeabilização do solo precisa compensar com 15% da área para espaços verdes dentro do perímetro da cidade. Hoje, metade da cidade é de áreas verdes. A missão visitou SBN como jardins filtrantes que aproveitam as áreas de trilhos de trem, e jardins que armazenam água da chuva e servem como telhado verde sobre bicicletários subterrâneos.
Em Roterdã, a comitiva se reuniu na sede do Centro Global em Adaptação (GCA), localizada no maior escritório flutuante do mundo. A organização internacional apoia soluções de adaptação ao redor do mundo. Na sede da CGA, a comitiva conheceu estratégias e exemplos de projetos na área de infraestrutura, dados e SBN.
A participação comunitária nas iniciativas de adaptação urbana é fundamental para projetos mais efetivos e duradouros. Em obras públicas, a cocriação de projetos junto à população leva a soluções que respondem melhor às múltiplas demandas e desafios locais, e gera um senso de utilidade para esses espaços que aumenta o cuidado da população com os mesmos.
Roterdã conta com 10 “praças de água”. Nos meses de inverno, esses espaços públicos aliviam os sistemas de drenagem e esgoto, captando e armazenando água da chuva no subsolo. Nos meses secos de verão, a água armazenada pode ser usada para irrigação. A comitiva visitou uma dessas praças, planejada junto a empreendedores locais e à comunidade. Hoje, eles são parceiros no cuidado das hortas comunitárias, jardins, quadras de esporte e playground.
Engajar a população também é uma forma de mudar comportamentos. Um exemplo disso foi uma competição lançada entre Roterdã e Amsterdã, incentivando os moradores a substituírem os ladrilhos de seus quintais e calçadas por jardins. De forma lúdica, a competição promoveu um aumento da área permeável para reduzir inundações, fortaleceu os laços comunitários e deixou as cidades mais verdes e agradáveis. A prefeitura de Roterdã também incentiva, por meio de subsídios, soluções sustentáveis nos telhados das edificações, como painéis solares, jardins e soluções de armazenamento de água.
Delft está no nome e é lar da maior e mais antiga universidade técnica da Holanda. Na TU Delft, a comitiva foi recebida no Green Village. Trata-se de uma pequena cidade-laboratório onde pesquisadores, empresas e governos desenvolvem tecnologias para serem aplicadas em condições reais, acelerando a transição para infraestruturas urbanas resilientes.
O grupo também visitou a Faculdade de Engenharia Civil e Geociências, onde o professor de gestão hídrica e engenharia Jules Van Lier e a professora de projeto urbano Taneha Bacchin reforçaram a importância de repensar as cidades e criar estratégias territoriais e regionais a partir de um olhar sistêmico de paisagem, considerando os cursos d’água, zonas de amortecimento, zonas urbanas e agrícolas.
A comitiva conheceu ainda o Instituto Deltares, organização de pesquisa e consultoria que conta com um dos maiores laboratórios do mundo para estudar estruturas contra tsunamis e erosão costeira do mundo. Um dos projetos de sucesso na área de adaptação é o Sand Motor, que protege a costa com areia movida por correntes naturais.
Leia mais: Como dados apoiam o planejamento de ações verdes e climáticas em cidades
Com a mudança do clima, é preciso considerar mais áreas de inundação respeitando os contextos naturais, garantindo mais benefícios e segurança do que tentar lutar contra o rio. A Holanda tem aprendido — e ensinado — essa lição.
Em 2007, o governo holandês iniciou o programa Espaço para o Rio (Room for the River), que até 2018 já havia implementado mais de 30 projetos de recuperação e criação de espaços alagáveis, a partir de intervenções como a reconfiguração de áreas ribeirinhas, criação de canais de alívio, alteração e realocação de diques e remoção de pôlderes.
A parte mais complexa foi realizada em Nimega (foto de capa deste artigo), onde o rio Waal faz uma curva acentuada formando um gargalo. A estratégia adotada integrou soluções baseadas na natureza com intervenções de engenharia, como um dique de 350 metros e um canal de alívio que acomoda o rio em épocas de cheia. Além de proteger a cidade de inundações, a solução virou um espaço público de lazer e contemplação, uma praia, local de esportes náuticos e apresentações culturais.
O contexto estimulou o desenvolvimento de uma forte cultura de gestão de riscos, cooperação, horizontalidade e visão de longo prazo nos Países Baixos, que hoje “exportam” essa expertise para outros países. É o caso da Agência Empresarial Holandesa (RVO), cujo programa de redução de risco de desastres apoiou Porto Alegre após as inundações de 2024.
Leia mais: Entendendo as enchentes em Porto Alegre | Parte 1
Por meio do apoio à Comissão Permanente da FNP de Adaptação Urbana e Prevenção de Desastres (Casd), o WRI Brasil apoia tecnicamente municípios brasileiros para que desenvolvam e adaptem essas visões e soluções aos seus contextos. Talvez um dos maiores aprendizados que as lideranças que participaram da missão organizada por FNP e WRI Brasil tragam de volta às suas cidades seja a perspectiva holandesa que transforma ameaças hídricas em oportunidades de desenvolvimento integrado.
Artigo publicado originalmente em WRI Brasil, em junho de 2025.
As ações do planejamento urbano para lidar com eventos climáticos extremos e desastres naturais é um dos vários assuntos abordados no curso “Do Planejamento ao Caos“. Se você quer entender onde o planejamento das cidades brasileiras tem errado e como podemos melhorar, não deixe de conferir.
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