A casa de “Ainda Estou Aqui” e a evolução urbana do Leblon
As transformações no lote da casa do filme ao longo dos anos ajudam a entender como se deu o desenvolvimento urbano do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.
Por um futuro planejado para o pedestre, o ciclista e o usuário do transporte público.
10 de setembro de 2020Florianópolis, como toda cidade, é um espaço compartilhado onde cada indivíduo busca a realização de seus desejos e objetivos. As ruas, calçadas e espaços públicos permitem o encontro e o contato entre os diversos, fortalecendo o senso de comunidade.
A mobilidade urbana tem papel fundamental no desenvolvimento social e econômico das cidades, especialmente na qualidade de vida dos cidadãos. Não se trata apenas de transporte, mas da forma pela qual as pessoas se deslocam na cidade, interferindo no tempo e energia utilizados pelos cidadãos e, também, na migração, na comunicação, na formação das redes sociais pessoais, nos fluxos de tráfego, na habitação, na saúde e na distribuição espacial dos mais diversos locais de interesse. Segundo Ole B. Jensen, “cidades e lugares contemporâneos são definidos pela mobilidade e por seus fluxos.”
A mobilidade é uma das principais angústias da cidade contemporânea, provocando novos questionamentos e necessidades durante a pandemia. Diferentes cidades ao redor do mundo sofreram o impacto do coronavírus e estão se valendo desse momento para repensar seu design e prioridades.
Alguns dos efeitos da pandemia são o enfraquecimento do transporte público, o aumento do uso do transporte privado e a necessidade de investimento em pedestrianização e ciclismo para diminuir a possibilidade de contágio e permitir as atividades outdoors. Florianópolis, capital com área insular e continental, é criticada há anos pela mobilidade, condição que pode ser agravada ou aprimorada durante esse período tão complexo da história.
A mobilidade urbana é um dos principais desafios da gestão de cidades da Grande Florianópolis, abrangendo congestionamentos diários e a ineficiência do transporte público que se reflete na sobreposição de linhas, carência de linhas municipais e áreas mal servidas, além de irregularidade dos contratos nas linhas intermunicipais e municipais de oito dos nove municípios da Região Metropolitana de Florianópolis.
Por outro lado, o transporte público pode ser uma oportunidade de deslocamento de baixo custo para a população, com maior eficiência energética, equidade social e menos poluentes. Pesquisadores do Observatório da Mobilidade Urbana UFSC argumentam que parte da solução na mobilidade pode ser uma gestão supra municipal, baseada em cooperação para o enfrentamento deste problema de forma integrada.
A ausência de transporte público de qualidade estimula a presença e circulação de veículos privados nas ruas da cidade, assim como cria a necessidade de adaptações na infraestrutura. Santa Catarina possui hoje a maior frota por habitante do Brasil, com 690 veículos para cada mil moradores e 74,5% dos domicílios com pelo menos um automóvel.
Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em Florianópolis há um carro a cada duas pessoas ou, mais especificamente, 521 veículos para cada um mil habitantes. O carro é um dos principais emissores de gases de efeito estufa que ameaçam a saúde humana, além de promover congestionamentos, problemas de uso da terra e aumento da poluição do ar.
Nesse cenário, estudo desenvolvido pelo pesquisador Valério Medeiros, da Universidade de Brasília (UnB), concluiu que a capital catarinense tem o segundo pior índice de mobilidade do mundo e o deslocamento mais complicado entre 21 das principais capitais brasileiras. Segundo ele, uma das maiores dificuldades é a geografia da cidade, que possui dunas, praias, lagoas e morros, impedindo a continuidade da malha viária. Além disso, considerando a satisfação dos motoristas, o Waze Satisfaction Index (2017) classificou Florianópolis como a pior cidade do país para dirigir.
Resultados do estudo Sinais Vitais de Florianópolis – Sentindo o Pulso da Cidade (2015) indicam que em Florianópolis “o trânsito mata mais que homicídios”, com uma taxa de mortalidade em acidentes superior a da maioria das capitais brasileiras.
Autores do estudo ainda defendem que as pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Salles são pontos-chave do problema. Quando projetadas, o fluxo estimado para cada uma delas era de 40 mil veículos por dia, mas a circulação diária em 2015 era de cerca de 200 mil veículos e a estimativa para 2020 é de 315 mil veículos.
Na conclusão do estudo, os pesquisadores argumentam que para mudar esse cenário é necessário investir em segurança no trânsito, distribuição entre os modais e qualidade do transporte coletivo, pois o deslocamento do florianopolitano para seu trabalho, estudo ou lazer não deve ser um sofrimento.
Para além do transporte público e automóveis, a bicicleta se apresenta como um meio de transporte alternativo baseado no desenvolvimento sustentável, estilo de vida saudável e respeito ao meio ambiente, com menor consumo de energia e emissões.
Pesquisa internacional, voltada à compreensão da qualidade subjetiva das interações sociais e da qualidade de vida social dos indivíduos, identificou que a frequência de interações sociais importantes está positivamente associada à frequência de caminhadas ou ciclismo, além de ser maior para pessoas que vivem em bairros com níveis mais altos de coesão social e caminhabilidade.
Assim, a caminhada e o ciclismo se apresentam como meios de transporte que favorecem a saúde física e mental do cidadão. Nesse sentido, relatório recente da Rede Ver a Cidade (Rede de Monitoramento Cidadão), com base na análise de indicadores e pesquisa de opinião pública, concluiu que, apesar de a mobilidade urbana ser um ponto crítico em Florianópolis, houve um incremento considerável no indicador quilômetros de ciclovias por 100 mil habitantes nos últimos anos.
Há pouco mais de um ano no cargo, em entrevista para o podcast Urban Studies, Michel Mittmann, Secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano de Florianópolis, destaca que o desenvolvimento do cenário atual da mobilidade na cidade ocorreu ao longo de muitos anos, envolvendo não apenas circunstâncias como a forma natural do território mas também as escolhas sobre a distribuição e incentivos para as atividades no espaço urbano.
Além de seguir um modelo de baixa densidade, a infraestrutura da cidade foi desenhada priorizando os automóveis, não o transporte público e outros modais. Porém, em sua visão, o paradigma da cidade mudou muito no último ano, refletindo-se, inclusive, num crescimento de 7% no uso do transporte público em relação ao ano anterior. Algumas iniciativas que destaca são:
Voltado ao estímulo de deslocamentos a pé, o Calçada Certa realizou a revisão do sistema de calçadas de Florianópolis e criou novos padrões e diretrizes legais para o desenho das calçadas. Uma das entregas do programa é um manual ilustrado para projeto e execução de calçadas com qualidade.
Iniciativa para ampliar o espaço para pedestres e ciclistas baseado em pintura no chão e balizadores. Os objetivos do +Pedestre são: aumentar a segurança dos pedestres e dos veículos em vias de alta conectividade e trânsito intenso; reduzir a velocidade dos veículos motorizados em áreas de grande afluxo de pedestres; incentivar o deslocamento a pé ou de bicicleta como alternativa preferencial de mobilidade. O piloto do projeto foi implantado nas ruas Álvaro de Carvalho, Esteves Júnior e Tenente Silveira, ambas no centro da capital.
Iniciada há um ano, a operação foi responsável por obras que revitalizaram 150 km da malha viária. Os serviços de pavimentação e renovação passaram pelas principais vias de todos os bairros da capital e, segundo o secretário, a meta é duplicar em um ano a estrutura cicloviária, estimulando cada vez mais o uso da bicicleta no cotidiano do cidadão. Outra estratégia é a implantação de novos corredores de ônibus, apoiando o transporte público.
Após um longo processo de reforma e discussões sobre o projeto, no final de 2019 houve a reinauguração da Ponte Hercílio Luz e sua reabertura para ciclistas, pedestres e ônibus, impactando fortemente a mobilidade da capital.
Apenas nos cinco primeiros dias após a reinauguração mais de um milhão de pessoas fizeram a passagem. Para o secretário, a reabertura se tornou um ícone da mudança que vem acontecendo em Florianópolis: “ela é o principal patrimônio histórico construído e ponto turístico da cidade, a marca humana mais evidente na paisagem.”
Além das iniciativas, outro aspecto discutido foi o impacto da pandemia na mobilidade. Apesar de os planos e projetos em andamento continuarem em execução durante esse período, há cada vez mais a necessidade de ressignificar as vias da cidade e priorizar os pedestres e ciclistas.
A tendência percebida é de uma revisão no modo de trabalho e de vida, indicando que o home office e a presença online substituirão diversas atividades presenciais, diminuindo os deslocamentos e mantendo os cidadãos em seus bairros. Assim, esses espaços terão de ser reforçados com apoio da infraestrutura municipal, investindo nas centralidades e na multiplicidade de usos.
Sobre o futuro, Michel afirma: “eu desejo para a mobilidade uma conversação maior entre a sociedade, entre os diferentes atores da sociedade, e os técnicos de planejamento para que a gente consiga um cenário novo e possibilite aos gestores aplicá- los de forma adequada.”
Artigo publicado originalmente em Via – Estação Conhecimento em 29 de julho de 2020.
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