A mobilidade ativa como solução para o tempo perdido no trânsito
Imagem: Mariana Gil/WRI Brasil.

A mobilidade ativa como solução para o tempo perdido no trânsito

Por incrível que pareça, a mobilidade ativa, consegue, em algumas situações, ter tempos de deslocamentos mais rápidos do que os motorizados.

23 de janeiro de 2023

De meados do século XX até os dias de hoje, o tempo perdido no trânsito tornou-se uma das principais fontes de sofrimento da vida urbana. Historicamente, a fórmula clássica para combater esse problema foi adicionar cada vez mais faixas de carro e construir viadutos com a promessa nunca realizada de melhorar a fluidez. 

A consequência já está bem documentada, cada nova faixa de carro adicionada representa uma barreira a outros meios de transporte e maiores distâncias a serem percorridas por todos. O resultado é a indução da demanda, um convite para que cada vez mais pessoas desejem se locomover por automóvel.

E não apenas isso, mesmo quando se consegue momentaneamente entregar a prometida melhora na fluidez, os beneficiados tendem a dirigir mais vezes e por maiores distâncias, o que também acaba contribuindo para o agravamento do problema no futuro.

Dessa forma, seria a tormenta de ficar preso em um congestionamento e perder horas preciosas do dia uma fatalidade inescapável da vida urbana moderna? Para uma boa parcela da população existe uma opção mais democrática, acessível, econômica, saudável e com resultados melhores. 

Por incrível que pareça, a chamada mobilidade ativa, a qual usualmente engloba bicicleta e caminhada, quando representada pela magrela, em algumas situações, consegue ter tempos de deslocamentos mais rápidos do que os motorizados. Prova disso é que a bicicleta costuma ter os melhores resultados nos desafios intermodais realizados em diversas cidades brasileiras, já tendo superado até mesmo um helicóptero.

Todavia, a alta velocidade não costuma ser um atributo vantajoso da bicicleta e menos ainda da caminhada. Esses desafios geralmente ocorrem em horários de rush, em trajetos sem muitas subidas e são feitos por ciclistas experientes. Portanto, o grande diferencial da mobilidade ativa é que, apesar de todas as maravilhas das tecnologias incorporadas nos veículos automotivos, o corpo humano e seus músculos continuam sendo o melhor motor para proporcionar ganhos de bem-estar.

Pesquisa feita com estudantes e funcionários da Universidade da Califórnia aponta que a caminhada e a bicicleta são os modos de transporte que propiciam experiências mais agradáveis. Na cidade de São Paulo, estudo similar verificou que ciclistas vivenciam sensações de bem-estar no deslocamento, como prazer, relaxamento e satisfação, numa proporção que é o dobro daquela verificada na população geral da cidade.

mobilidade ativa, são paulo
Ciclovia em São Paulo-SP. (Imagem: Joana Oliveira/WRI Brasil)

Pesquisa realizada com 3.330 cidadãos de 8 países europeus também encontrou notas de satisfação mais elevadas para bicicleta e caminhada. Os selecionados avaliaram com notas de 1 a 5 o nível de satisfação com suas viagens diárias.

A bicicleta ficou em primeiro lugar com nota média de 4,06, seguido pela caminhada com 3,99 e os passageiros de trem com 3,89. As duas piores notas foram dadas pelos motoristas de carro e usuários de ônibus, ambos pontuando 3,53 em média.

Outra prova da superioridade dos modos de deslocamento ativos para propiciar bem-estar tem sido constatada através de perguntas sobre teletransporte. Questionário online aplicado em Portland, nos EUA, indagou a 648 pessoas se elas renunciariam aos seus deslocamentos diários, caso pudessem se teletransportar como nos filmes de ficção Star Trek. O resultado foi uma recepção ao teletransporte de 76% entre usuários do transporte público, de 73% entre motoristas de carro, mas de apenas 34% entre ciclistas e de 27% entre caminhantes. 

Se não bastasse, existem indicativos de que essas experiências positivas vivenciadas através da mobilidade ativa podem extrapolar a duração da própria atividade. O professor Robert Thayer, da Universidade da Califórnia, pesquisou por vários anos a relação entre humor e exercícios.

O seu livro Calm Energy relaciona uma série de evidências de que uma simples caminhada ajuda a melhorar o humor e a disposição, com efeitos prolongados por 1h ou 2h após o término do exercício. 

Também existem evidências de que os ganhos com o bem-estar possam ser ainda mais prolongados e enriquecedores. Pesquisa realizada pelo mesmo Robert Thayer e Joan Rubadeau sugere que, após uma caminhada ou atividade física, as pessoas tinham tendência a avaliar mais positivamente a própria vida.

Talvez isso explique por que estudo de Martin Turcotte encontrou que 19% dos canadenses que pedalavam para o trabalho encaravam essa atividade como a melhor de todo o dia, enquanto somente 2% dos motoristas colocavam o ato de dirigir no patamar mais alto da satisfação. 

Nessa perspectiva, o projeto Motiv com apoio da União Europeia propõe que outras dimensões dos deslocamentos também devam ser avaliadas. Para isso utilizam como referência a hierarquia das necessidades de Maslow, onde na base da pirâmide estão as necessidades fisiológicas, depois de segurança e, à medida que se vai ascendendo, as pessoas procuram realizações mais sofisticadas de relacionamentos, estima e autorrealização. 

Nesses quesitos, a mobilidade ativa também costuma se sair melhor. Estudo publicado na revista Mobilidade Aplicada indica que os ciclistas possuem maior propensão a experimentar um estado mental de flow, desencadeando maior concentração, interação com o ambiente, maior criatividade e elevada sensação de autoestima. Já quem caminha, além dos ganhos de bem-estar proporcionados pela atividade física tem melhor perspectiva de interação social dentro do balé urbano tão bem descrito por Jane Jacobs. 

Por isso, ainda que o tempo gasto na mobilidade ativa possa ser maior do que o do transporte motorizado, se a vivência desse tempo for agradável ou satisfatória, tem-se, na verdade, o melhor dos mundos, já que o tempo perdido no trânsito passa a ser zero.

Afinal, o tempo só é encarado como perdido na medida em que a experiência é vista como negativa. Ou alguém já viu alguma política pública ser implementada para tentar acabar com o tempo perdido em praias ou parques? 

Dessa forma, resta saber qual o potencial da caminhada e da pedalada no Brasil. Conforme dados da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), em média 42% dos brasileiros de cidades com mais de 60 mil habitantes se deslocam por bicicleta ou a pé, percentuais maiores do que em muitas cidades europeias.

Assim, políticas públicas que aprimorem a qualidade e a segurança dessas formas de locomoção irão contemplar parcelas expressivas da população, ainda mais quando se considera que quem usa o transporte público também caminha por uma parte do trajeto.

São Miguel Paulista
Pedestres em São Miguel Paulista-SP. (Imagem: Mariana Gil/WRI Brasil)

E não apenas isso, uma ampla e boa infraestrutura cicloviária têm enorme potencial de atrair novos usuários. Na cidade do Rio de Janeiro, 51% dos deslocamentos motorizados individuais têm potencial de serem substituídos pela bicicleta, pois 40% deles são tidos como facilmente pedaláveis e outros 11% são classificados como pedaláveis. Para a cidade de São Paulo, o potencial de substituição seria de 42%, sendo 33% como facilmente pedaláveis. 

Nesses estudos, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) considera que viagens de até 5 km, feitas por pessoas de até 50 anos e entre as 6h e 20h são facilmente pedaláveis e as viagens de até 8 km são classificadas como pedaláveis. O levantamento aponta ainda que 31% dos paulistanos adotariam a bicicleta se houvesse melhor infraestrutura cicloviária.

Portanto, é chegada a hora do poder público abandonar as formas corriqueiras de se combater o tempo perdido no trânsito. Investir em mais viadutos e faixas de trânsito para veículos particulares, além de extremamente dispendioso, já se mostrou um retumbante fracasso.

A medida induz à demanda pelos carros, ao mesmo tempo, em que torna mais lento o transporte coletivo e empobrece ou inviabiliza as experiências mais satisfatórias da mobilidade ativa. 

As soluções realmente efetivas passam por tornar o transporte público mais rápido que o particular, investir em modos e condições de locomoção que propiciem uma maior chance de se obter experiências aprazíveis, bem como ampliar e melhorar a infraestrutura urbana destinada à mobilidade ativa.

Essas alternativas, além de serem as únicas a realmente atacarem o problema, são mais econômicas, democráticas, ambientalmente sustentáveis e trazem maior bem-estar pessoal e coletivo.

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