Interdisciplinaridade nas Intervenções Urbanas: Uma interessante conversa entre urbanismo, filosofia, antropologia e psicanálise vincular

1 de dezembro de 2023

Recebi um instigante convite…e aceitei!

Tratava-se da minha participação em uma mesa redonda a convite do Movimiento Psicoanalítico en Latino America, que organizou, em maio de 2022, um seminário intitulado Conversaciones Vinculares en America Latina.

Na programação do seminário internacional havia 4 mesas: La clínica psicoanalítica vincular en América Latina; Colonización – Decolonización; Lo Comun, Lo Comunitario; e Hay Lugar para la  Esperanza en América Latina?

Participei da terceira mesa, Lo Comun, Lo Comunitário, compartilhando reflexões com uma filósofa argentina, Alejandra Tortorelli, uma psicanalista vincular uruguaia, Adriana Frechero, e uma psicanalista vincular brasileira, Maria Inês Assumpção, sob a mediação da psicanalista vincular peruana, Patricia Alcalde.

Tive a oportunidade de trazer experiências realizadas de escuta e de elaboração de projetos de intervenção urbana a partir da perspectiva da mediação entre as diversas vozes presentes nas comunidades e na sociedade; assim como também entre agentes civis, empresariais, representantes de diversas áreas do setor público; entre Poder Executivo, Poder Legislativo e Ministério Público.

Pude questionar os meus colegas de mesa quanto às razões de recorrentemente nos depararmos, aqui no Brasil, com comportamentos tão frequentes entre aquelas poucas, apesar de cada vez mais, pessoas ou grupos ou representações institucionais ou políticas organizadas que participam dos ritos participativos de boicote a si mesmos ou aos processos participativos em si.

Perguntei a eles se tal comportamento não demonstrava uma imensa dificuldade da população, assim como dos gestores e administradores, de estarem dispostos e disponíveis a uma prática de construção do senso do que é COMUM.

Arrisquei provocá-los questionando se este hiato em nosso comportamento sociocultural não seria uma das razões para tratarmos ou maltratarmos os nossos bens comuns e, neste sentido, nossas cidades com seus espaços públicos, e com isso afetarmos oportunidades de construção de vínculo, de identidade, de pertencimento, de sentir-se reconhecido e incluído.

Nesta conversa ficou evidente que, enquanto latino-americanos, muitas percepções e repertórios são comuns a todos nós, e outros nem tanto, dado que nossos amigos, ex-colônias espanholas, acabaram por herdar um repertório mais favorável ao reconhecimento do bem comum e público.

O Seminário desenrolou-se ao longo de todo um dia e congregou visões saborosas em torno da  temática do VÍNCULO na América Latina, a partir da ótica e da experiência profissional e cultural de psicanalistas vinculares, filósofos, antropólogos e eu, enquanto urbanista.

Saí dessa avalanche de estímulos e diferentes visões de mundo bastante inebriada. Um certo perfume amargo entristeceu-me com algo que não é novo e nem desconhecido para mim: o fato de tratarmos do planejamento urbano, bem como dos projetos de desenho urbano nas nossas cidades brasileiras seja através das metodologias e ritos participativos presentes nos processos de aprovação e revisão de Planos Diretores, seja através da contratação e da prestação de serviços de projeto urbano de forma extremamente ensimesmada, pouco complexa, pouco mediada e praticamente nada interdisciplinar.

Por outro lado, saí surpresa e estimulada em perceber que nossos vizinhos latino-americanos, sobretudo os psicanalistas desta vertente denominada “vincular”, enxergam nas manifestações urbanas oportunidades e registros preciosos para a compreensão das questões relacionadas à psique humana, à construção de identidade e vínculo, tanto no campo pessoal quanto coletivo.

Senti-me acolhida. Bem menos sozinha do que quando trato dessa temática do vínculo, do sentimento de pertencimento e de identidade no espaço urbano com meus colegas arquitetos urbanistas brasileiros.

De fato, a Psicologia Social, a Psicanálise, a Proxêmica, a História da Cultura e a História das Mentalidades são disciplinas que passam totalmente ao largo da formação acadêmica do profissional de arquitetura e urbanismo, tampouco da vida profissional, seja no mundo acadêmico, empresarial ou setor público.

É tão óbvio e cruel constatar desde as orientações pinceladas na Lei Federal do Estatuto das Cidades, assim como em inúmeros Planos Diretores Estratégicos que pipocam pelo território nacional a fora como os objetivos geralmente encontrados nestas legislações municipais, sobretudo aqueles relacionados à inclusão social, direito à cidade, acesso aos serviços e infraestruturas básicas, não se traduzem absolutamente em políticas públicas que se organizem ao redor de uma escuta plural e um conhecimento interdisciplinar aplicado, capaz de regulamentar instrumentos e ferramentas multidisciplinares de planejamento, de contratação e elaboração de projetos e de gestão continuada.

Enfim, as palavras-chave que nos cabem tentar fazer coexistir e aprimorar nossa participação colaborativa na qualificação da vida no planeta a partir de nossa realidade e capacidade profissional: Tolerar e Conviver com, na e para a Diversidade; Bem Coletivo; Escuta; Mediação; Coexistência; Flexibilidade; Integração; Longevidade; Disponibilidade; Pluralidade; Senso do que é Comum; Colaboração; Interdisciplinaridade.

Será que conseguimos chegar lá?

Saudações Polifônicas!

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

Compartilhar:

Arquiteta e urbanista pela FAUUSP, mestre pela FFLCH (Filosofia, Letras e Ciencias Humanas), membro do Conselho Municipal de Politica Urbana (CMPU) e do Conselho de Proteção da Paisagem Urbana (CPPU). Prêmio Top Imobiliário Estadão — Luis A. Pompeia — Pensador de Cidades — 2023–2025.
VER MAIS COLUNAS