É comum no planejamento urbano brasileiro a exigência de um número mínimo de vagas de estacionamento para qualquer novo empreendimento. Um argumento comum em defesa dessa regra é que ela possibilita que os motoristas saiam o mais rápido possível da via pública, evitando congestionamentos, e também evita que eles utilizem as vias públicas como estacionamento.
Em Recife, por exemplo, todo novo apartamento, por menor que seja, requer pelo menos uma vaga de garagem. A partir de 80m² de área, a legislação exige duas vagas por unidade, e acima de 150m², três vagas. Para efeito comparativo, o edifício mais alto da Europa Ocidental, o The Shard, em Londres, tem cerca de 100 mil m² de área construída e apenas 47 vagas de garagem, destinadas principalmente a usuários com mobilidade reduzida. O arranha-céu londrino conta com amplo acesso à rede de transporte público, o que é possibilitado pelo aumento da intensidade de uso do solo com a sua própria área construída. Caso o The Shard fosse construído, por exemplo, em Porto Alegre, ele deveria contar com cerca de 2,2 mil vagas de garagem, que exigiria uma área construída maior que a do próprio edifício apenas para a guarda de veículos. Segundo estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP), um quarto de toda a área construída de São Paulo é destinada a estacionamentos.
A obrigatoriedade de vagas para estacionamento funciona, na prática, como um estímulo para os moradores comprarem automóveis. Isso ocorre porque os moradores estão investindo no carro — ou melhor, no espaço para guardá-lo – no próprio ato da compra do imóvel. Logo, residentes que optam pelo transporte coletivo, pela bicicleta ou por andar a pé são obrigados a pagar pela vaga de estacionamento quando compram ou alugam um imóvel em um edifício aprovado em legislações mais recentes.
Menos área útil não significa apenas menor arrecadação por parte do empreendedor ou um preço maior a pagar pelos usuários, mas também uma diminuição da oferta de imóveis na cidade como um todo, o que eleva os preços dos imóveis.
Para o incorporador, por sua vez, tal obrigação aumenta os custos de construção, que são repassados ao consumidor final. A obrigatoriedade tem um impacto direto no valor final dos imóveis, já que é necessário construir área adicional mesmo que não haja demanda dos usuários. Também resulta em impactos indiretos nos casos em que é necessário abrir mão de área chamada “útil”, como a de salas comerciais ou de apartamentos, para construir o estacionamento e manter a viabilidade econômica do empreendimento. Menos área útil não significa apenas menor arrecadação por parte do empreendedor ou um preço maior a pagar pelos usuários, mas também uma diminuição da oferta de imóveis na cidade como um todo, o que eleva os preços dos imóveis.
Outro problema grave da exigência de vagas de estacionamento é o resultado final da edificação. A obrigatoriedade da construção de garagens, aliada ao desincentivo à ocupação do andar térreo com áreas úteis, leva justamente à ocupação dos andares térreos da cidade com garagens e estacionamentos. Muitas vezes tal situação se agrava, e as garagens ocupam não apenas o térreo como também o primeiro andar, formando uma “bandeja” sobre as calçadas e distanciando ainda mais as áreas efetivamente ocupadas pelas pessoas do espaço público, dificultando a interação diária dos moradores.
Sugerimos, assim, que a área de estacionamento de qualquer nova edificação deve contar como área construída e ser dimensionada a critério do incorporador e/ou arquiteto responsável pelo projeto, baseando-se no tipo de imóvel e perfil do usuário que o ocupará. Tal medida ajudaria a diminuir o incentivo ao uso do automóvel individual e contribuiria para o aumento de imóveis com preços mais acessíveis e para a diminuição da proporção atualmente exagerada da área de estacionamento da cidade.
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COMENTÁRIOS
Outro fator é popularização das corridar particulares por aplicativo que tanto dispensam estacionamento/garagem quanto a necessidade de se ter um carro.
Interessante o debate, pode ser bem interessante essa eliminação. Acho que existe um preconceito de que a disponibilidade da vaga para automóveis torna o imóvel mais fácil de comercializar, uma vez que a parcela da população sem veículo próprio é pequena, e se for esse o caso, aluga a vaga para um vizinho. Porém o custo de construção de vagas para veículos muitas vezes supera o custo do próprio apartamento, principalmente se a(s) vaga(s) for(em) construída(s) no subsolo. Portanto pagar metade do preço na compra de um imóvel sem vaga para automóveis pode alavancar as vendas imobiliárias, e isso é bem legal, pois a construção civil é importante para a economia nacional, gerando muitos empregos diretos e indiretos, com o bônus de estimular os cidadãos a não ter carros próprios.