Por que precisamos de espaços de convivência e como criá-los
Bairros e comunidades necessitam de espaços públicos onde as pessoas gostam de estar. Existem diferentes formas de ativar esses espaços, tornando-os mais vibrantes e interessantes.
Quando pensamos na reconstrução de bairros em regiões de informalidade, como os atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul, precisamos considerar a importância da densidade e da verticalização.
16 de setembro de 2024As recentes enchentes no Rio Grande do Sul causaram uma destruição generalizada na capital, afetando áreas urbanas consolidadas e verticalizadas como o Centro Histórico, Menino Deus e Cidade Baixa. Nessas regiões, muitas pessoas foram forçadas a se deslocar temporariamente para outros locais, aguardando a recuperação das áreas afetadas. No entanto, as pessoas que residiam em áreas com ocupações horizontais, em residências térreas ou de dois pavimentos, foram as mais drasticamente atingidas.
Essa situação é particularmente grave em regiões de informalidade onde, além da destruição das edificações, os limites previamente acordados de fronteiras privadas também se desfizeram, criando um cenário de grande incerteza e vulnerabilidade para os moradores. Quando pensamos na reconstrução desses bairros, precisamos levar em consideração suas comunidades, suas configurações prévias e suas particularidades, incluindo a densidade e a oferta de moradia.
Leia mais: Entendendo as enchentes em Porto Alegre | Parte 1
Em Porto Alegre, entre as áreas mais afetadas, estão as comunidades da Vila Farrapos, onde cerca de 3 mil famílias vivem em condições informais, ocupando aproximadamente 110.000 m². Com uma densidade de aproximadamente 1.000 pessoas por hectare, essas comunidades apresentavam uma densidade quatro vezes maior que a do bairro Bom Fim, uma área formal e consolidada da cidade, que possui cerca de 250 pessoas por hectare.
Diante dessa destruição, gestores públicos e urbanistas veem uma oportunidade de promover a reurbanização formal das áreas afetadas. A solução histórica para essas áreas, como no loteamento Pampa, é o parcelamento do solo em pequenos lotes horizontais, de 3m por 12m. Nesses lotes, seriam construídas casas de aproximadamente 50m², distribuídas em dois pavimentos, com dois dormitórios. A escolha pelo loteamento horizontal é frequentemente motivada pela maior flexibilidade e liberdade individual de cada habitação, além de eliminar o custo de manutenção condominial. Embora a regularização em si seja positiva, caso ela seguisse um padrão de ocupação como o do loteamento Pampa na Vila Farrapos, o resultado seria uma redução significativa da densidade populacional, acomodando cerca de 6.000 pessoas — menos da metade da população original.
Caso atinja o objetivo, a consequência dessa redução de densidade é que muitas das pessoas que antes residiam nessas áreas seriam deslocadas para regiões mais distantes. Essa realocação traria consequências severas para essas famílias, resultando na perda de vínculos com seu local de origem e no comprometimento do acesso aos seus empregos e serviços essenciais.
Por isso, é provável que a região seja novamente ocupada de forma irregular caso o limite de população estabelecido não atenda à demanda existente. O loteamento Pampa ilustra bem esse caso.
As construções originalmente projetadas com baixa densidade acabaram recebendo adições informais que elevaram a densidade a níveis semelhantes ao do entorno, conforme reportado em 2011 na publicação da Gilberto Simon. Isso demonstra que a densidade populacional não é apenas uma questão de planejamento, mas um reflexo da atratividade de uma localização, refletindo a proximidade de oportunidades econômicas e sociais. Tentar impor restrições rígidas à densidade nessas áreas pode dificultar o acesso à habitação formal.
Dado o contexto de áreas sujeitas a enchentes, também é crucial buscar soluções que ofereçam maior resiliência. Nesse sentido, a densificação vertical surge como uma opção promissora, permitindo a acomodação de um maior número de moradores em áreas bem localizadas e reduzindo a vulnerabilidade a desastres naturais.
Leia mais: Moradia digna e direito à cidade antes e depois de desastres naturais
Essa verticalização poderia ser pensada de forma diferente do que aconteceu no resto da cidade, onde o Plano Diretor de Porto Alegre tende a incentivar torres isoladas e afastadas das calçadas por conta das altas exigências de recuos. Essa verticalização poderia adotar tipologias arquitetônicas flexíveis, com melhor relação com o espaço público e alturas que não necessitem de elevadores e garantam baixos custos de manutenção. Além disso, os andares térreos poderiam favorecer usos e características construtivas de resiliência a eventos de inundações e enchentes. Para assegurar o sucesso dessas soluções, seria fundamental o acompanhamento da gestão desses condomínios pelo poder público, especialmente porque muitos empreendimentos de baixa renda enfrentam dificuldades administrativas que podem comprometer a sua sustentabilidade a longo prazo.
Ao se promover uma nova tipologia construtiva e fundiária para atender a uma necessidade habitacional, também é essencial que essa solução seja acompanhada por uma proposta de “land readjustment” ou reparcelamento do solo a partir do desenho informal pré-existente. Nesse sentido, terrenos com edificações verticais poderiam otimizar o uso da terra, não só liberando área, mas também contribuindo para o financiamento de espaços e equipamentos públicos, que atualmente são escassos nesses bairros.
Em suma, o desafio da reurbanização de áreas afetadas por desastres naturais exige uma abordagem integrada que considere não apenas a regularização fundiária, mas também a demanda habitacional existente, a preservação da identidade comunitária e a resiliência das soluções urbanas. A densificação vertical, quando acompanhada de uma gestão eficiente, pode oferecer uma resposta robusta a esses desafios.
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