As esferas de análise de um espaço público: atributos locais – interface
Na coluna passada, disse que estudar um espaço público pressupõe analisar contexto (relacionado a atributos globais), e interface e lugar (relacionados a atributos locais). E que um contexto favorável para que espaços públicos se prestem bem ao uso cotidiano remete a uma cidade compacta, integrada, multifuncional, que oferece moradia variada e bem distribuída e que estimula principalmente a mobilidade do pedestre, ciclista e por transporte público.
Vamos agora aos atributos locais, começando pela interface.
O que acontece nos limites de um espaço público faz enorme diferença para sua apropriação. Um espaço público bem-sucedido quanto a abrigar “gente, gente variada e gente sempre” nunca é um desenho no chão no meio do nada, mas se inicia na fronteira dos edifícios que estão ao seu redor e o definem. Essa interface é sua parte integrante e indissociável e é ela a grande responsável por favorecer seu uso e ocupação, mantê-lo seguro e contribuir para a diversidade de seus usuários.
Sendo assim, os limites do nosso lugar devem:
1- Ser claros, tridimensionais (na maioria dos seus lados) e contíguos, configurando-o. Não se pode ter dúvida sobre onde começa ou onde termina o espaço público, pois a gente tende a não permanecer em lugares que não entende muito bem, nem sabe se é realmente público. Assim, quanto menos afastamentos frontais e laterais, melhor a interface atende ao lugar a que serve.
2 – Apresentar muitos edifícios de diferentes tipos. Quanto mais edifícios compuserem a interface, quanto mais variada for sua arquitetura, mais ampla será a oferta de apartamentos, lojas, salas comerciais de diferentes dimensões, características e preços, o que pode contemplar atividades e pessoas diversas, arranjos familiares distintos. Lembrando o texto sobre fachada ativa, para se ter mais edifícios é preciso que os limites sejam compostos por muitos lotes, de preferência com frentes estreitas.
3 – Possuir muitas portas e janelas se abrindo para ele. Devem trazer os famosos “olhos para a rua” da Jane Jacobs, o que proporciona a vigilância informal e, consequentemente, a sensação de segurança. Os lotes estreitos do item 2 vão assegurar boa quantidade de portas para “alimentar” o lugar, com gente entrando e saindo. E a ausência de afastamentos laterais do item 1 vai garantir muitas janelas iluminando o espaço à noite, auxiliando na cociência. Devem favorecer a permeabilidade visual em toda a fachada: empenas cegas, vidros espelhados e cercamentos opacos matam qualquer espaço público.
4 – Ter o térreo preferencialmente no mesmo nível do espaço público para o qual se abrem, sem que, para seu acesso, sejam necessárias escadarias ou rampas. Essa relação direta é fundamental para usos comerciais, pois facilita a comunicação interior/exterior e, inclusive (se a largura das calçadas ajudar, claro, e desde que não se interrompa a passagem) permite que as atividades internas se derramem no espaço frontal às lojas, com mesas e cadeiras, araras de roupas, vasos de plantas etc., materializando as chamadas “fronteiras suaves” (soft edges) que tanto Jan Gehl quanto Christopher Alexander imputam como interessantes para a urbanidade.
5 – Oferecer atividades compatíveis com sua vocação. É válido dizer que, quanto mais variadas forem as atividades que têm lugar nas fronteiras de um espaço público – instituições, moradias, comércio, serviços, estabelecimentos que funcionem de dia e à noite, dias de semana e fins de semana –, melhor para ele. Só que a gente já sabe que a maioria dos espaços públicos de uma cidade não terá pendor para abrigar tudo isso. Então, é preciso avaliar as fronteiras dentro da realidade do lugar, tendo em mente que baixas densidades não são muito amigas da urbanidade, e que usos predominantes são muitíssimo mais úteis para ela do que usos exclusivos.
E agora, senhoras e senhores, só resta aguardar a terceira e última coluna desta trilogia: o lugar. Até lá!
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.