Contexto, interface e lugar | Parte 1

30 de agosto de 2024

As esferas de análise de um espaço público: atributos globais

Na coluna passada prometi que falaria dos atributos que influem na utilização cotidiana de um espaço público por pessoas diversas.

Durante a realização da minha tese, pesquisei vários autores e suas sugestões sobre como deveria ser a configuração de um lugar que desse verdadeiro apoio à vida pública. Estudei as recomendações de Jane Jacobs sobre segurança e diversidade urbana; a teoria da Sintaxe Espacial e suas ferramentas; os 12 critérios de qualidade de Jan Gehl; os padrões de Christopher Alexander e seus colegas; os atributos que fazem um lugar ser ótimo do Project for Public Spaces… Junto com minhas próprias descobertas, sintetizei tudo num método que, para a minha alegria, tem sido útil a alguns pesquisadores.

Analisar um espaço público pressupõe analisar contexto, interface e lugar. Contexto diz respeito a atributos globais. Interface e lugar estão relacionados a atributos locais.

Hoje vou falar de contexto.

Não é todo mundo que presta atenção nele ou entende que mudar um piso, ou colocar um mobiliário, pode não ser suficiente para transformar um lugar morto em vivo. A gente precisa entender como a estrutura da cidade ou do bairro afetam a vida pública no nível local.

Você já deve ter visto algo assim: um lugar que estava caído, recebeu um tapa no visual, as pessoas usaram por um tempo, talvez tenham feito eventos nele, depois ele ficou vazio de novo e voltou a se deteriorar. Provavelmente porque o problema do esvaziamento ou mau uso não estava só no lugar em si, mas nos atributos globais.

Vamos a eles.

Para favorecer a vida pública num determinado lugar, a parte da cidade onde ele se encontra deve:

1- Ser compacta. Ela não pode ter espaço livre público demais. Ter mais áreas livres não significa ter mais gente usando-as. Pelo contrário: muita área livre dispersa as pessoas, dificultando a apropriação social dos lugares. Além disso, os espaços públicos não podem ser grandes demais, a menos que cumpram um papel específico na cidade (simbólico, por exemplo). Espaços públicos menores aproximam as atividades, favorecem deslocamentos a pé e a concentração de pessoas.

2 – Ser integrada. Deve ser fácil passar por ela, circular, chegar e sair. Bairros segregados, cheios de barreiras, com ruas sem saída, sem conectividade, com quadras grandes, dificultam o tráfego de passagem, fundamental no sucesso de um espaço público.

3 – Ser multifuncional, ou seja, oferecer “de um tudo”. O bairro deve ter variedade de atividades, complementares umas às outras e bem distribuídas no espaço e no tempo. Bairros-dormitório ou zonas exclusivas de negócios não vão ter em seu interior espaços públicos muito vibrantes.

4 – Oferecer moradia. Nunca é demais falar que a presença do uso habitacional é fundamental para que se tenha espaços públicos bem-sucedidos. Ele deve ocorrer em toda a cidade, em grande variedade de edifícios, pois um só um tipo de moradia traz comunidades homogêneas, o que mata a diversidade tão cara ao espaço público. É preciso que a moradia contemple pessoas de diferentes idades e fases da vida, em diferentes arranjos domiciliares. Junto a isso, é preciso que haja densidade suficiente para assegurar uma ótima concentração de pessoas. Sim, estou falando de habitações multifamiliares.

5 – Estimular a mobilidade do pedestre, do ciclista e por transporte público, não do carro. As paradas de transporte público devem estar bem localizadas e, delas, deve-se conseguir caminhar sem esforço ou obstáculos até onde a gente quiser. Deve ter uma boa rede de calçadas e ciclovias, niveladas, sombreadas, acessíveis. Não queremos que o bairro favoreça apenas o automóvel privado, oferecendo largas faixas de rolamento, travessias subterrâneas ou bolsões de estacionamento.

Se esses atributos globais estiverem bem atendidos, nosso olhar pode se voltar então para os atributos locais – de que vou tratar em seguida.

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Em tempo: os atributos globais são denominados atributos do todo pelo querido professor Almir Reis, da Universidade Federal de Santa Catarina, membro da minha banca de doutorado e que, gentilmente, achou minha tese digna de figurar entre as referências bibliográficas de sua disciplina da pós-graduação em arquitetura e urbanismo.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. (ceep.unb@gmail.com)
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