MCMV: política pública que nasce torta, nunca se endireita
A criação da "Faixa 4" do Minha Casa Minha Vida só reforça as contradições que o programa sempre teve.
Apesar da repercussão negativa, é preciso entender como o empreendimento recém aprovado em Porto Alegre pode beneficiar a cidade.
21 de novembro de 2024A recente aprovação do novo empreendimento do Grupo Zaffari no Menino Deus, Porto Alegre, gerou reações variadas, especialmente entre alguns grupos de moradores contrários a mudanças urbanas na região e ativistas NIMBY da internet. Contudo, muitas dessas críticas baseiam-se em interpretações limitadas e, por vezes, informações imprecisas sobre o projeto e seus potenciais benefícios para a cidade.
O projeto ocupa um terreno de aproximadamente 30.000 m², atualmente vazio, em uma área privilegiada e bem servida por infraestrutura consolidada e serviços distribuídos. Este é um dos terrenos mais estratégicos e valiosos de Porto Alegre, mas encontra-se subutilizado, deixando de gerar contribuições significativas para a região.
Manter o terreno vazio e subutilizado não apenas reforça uma sensação de insegurança entre os moradores locais, mas também representa um desperdício de potencial urbano. A ausência de habitações em um ponto estratégico da cidade faz com que pessoas que poderiam morar no Menino Deus busquem alternativas mais distantes e com menos infraestrutura, aumentando desnecessariamente os deslocamentos diários e as emissões de poluentes, o que agrava os desafios de mobilidade e o impacto ambiental da cidade.
O empreendimento no Menino Deus trará uma série de benefícios para Porto Alegre. Em primeiro lugar, aumentará a oferta de moradias em uma área de alta demanda, o que contribui para a redução da pressão sobre os preços imobiliários e amplia as oportunidades para novos compradores e para os atuais residentes. Em uma cidade onde a oferta de moradia acessível e bem localizada é escassa, a criação de novos apartamentos é um impulso necessário.
Ainda que os novos apartamentos tenham um perfil de mercado elevado devido à localização privilegiada, o projeto contribui positivamente para o mercado habitacional em geral. Os novos moradores, migrando de outras regiões da cidade, deixarão seus imóveis anteriores disponíveis para venda ou locação, criando um efeito em cadeia que amplia a oferta de imóveis seminovos, atendendo diversas faixas de renda e equilibrando a oferta habitacional em diferentes segmentos.
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Ao contrário do que algumas fontes afirmaram, o empreendimento respeita integralmente o Plano Diretor de Porto Alegre. Todo o potencial construtivo utilizado está em conformidade com os limites previamente estabelecidos, sem exceder um único metro quadrado além do permitido por lei. O terreno possui pouco mais de 29.000 m², e o potencial construtivo básico da região é de 1,9X, podendo chegar a 3X com a compra de outorga onerosa — isso para áreas adensáveis. Em termos de áreas totais, o potencial poderia alcançar cerca de 150.000 m² construídos.
Sobre a altura das torres, no Art. 115 o Plano Diretor prevê flexibilização, desde que os estudos técnicos necessários sejam apresentados, como o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU).
Preocupações pontuais quanto à altura, como sombra, bloqueio de ventos e impacto na vegetação foram levantadas por alguns vizinhos e críticos do empreendimento. No entanto, vale ressaltar que a altura adicional permite torres mais esbeltas e uma menor taxa de ocupação do solo. Se o empreendimento ficasse dentro da altura limite padrão do Plano Diretor, de 52 metros, provavelmente geraria muito mais impacto e sombra nos vizinhos. Ao distribuir a construção verticalmente, o projeto diminui sua taxa de ocupação e proporciona uma volumetria mais leve para o ambiente urbano.
O adensamento de áreas centrais vai além da construção de novos edifícios; significa melhor aproveitamento da infraestrutura existente, fortalecimento do comércio local e eficiência nos serviços públicos. Esse tipo de desenvolvimento gera um ciclo positivo para toda a cidade — beneficiando novos moradores, comerciantes locais, o poder público e os atuais residentes. O aumento de arrecadação tributária em uma área central evita a necessidade de expansão dos limites da cidade e, assim, reduz custos de manutenção a longo prazo.
Porto Alegre ainda trabalha com um Índice de Aproveitamento (ou Coeficiente de Aproveitamento) conservador em áreas centrais, variando de 1,6 a 2,4, valores muito abaixo do que vemos em outras grandes cidades globais. Em Manhattan, por exemplo, o IA pode chegar a 15 em zonas centrais, promovendo uma ocupação urbana mais eficiente. Uma política de adensamento mais ambiciosa permitiria que Porto Alegre aproveitasse melhor o espaço urbano, evitando a expansão desnecessária da cidade e reduzindo custos de infraestrutura e emissões de carbono.
Um estudo do urbanista Alain Bertaud destaca a diferença entre modelos de desenvolvimento urbano. Ele compara Atlanta, nos EUA, onde a maioria dos residentes vive em áreas suburbanas, e Barcelona, uma cidade densa e com índice construtivo elevado. Ambas têm populações semelhantes, mas Atlanta ocupa uma área cerca de 26 vezes maior que Barcelona, resultando em uma densidade muito menor e desafios maiores em termos de mobilidade e impacto ambiental.
Cidades como Atlanta enfrentam altos custos de infraestrutura devido à baixa densidade, enquanto Barcelona consegue manter esses custos controlados, além de otimizar o uso do transporte público e preservar áreas verdes. Com uma área compacta, Barcelona cobre aproximadamente 60% de sua população com transporte público eficiente, enquanto Atlanta atende apenas 4%, o que resulta em emissões de carbono significativamente maiores. Esse modelo disperso de ocupação ainda exige extensas redes de água, esgoto e eletricidade, tornando a manutenção cara e ineficiente, ao passo que o modelo compacto de Barcelona promove um desenvolvimento mais sustentável e financeiramente equilibrado.
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O empreendimento do Grupo Zaffari no Menino Deus é uma iniciativa significativa de crescimento urbano sustentável para Porto Alegre, focada no aproveitamento de terrenos subutilizados em áreas já adensadas. Ressalto que não estou julgando o empreendimento em si, especialmente em termos estéticos e arquitetônicos, mas apenas analisando a implantação e o adensamento de um terreno subutilizado sob uma perspectiva urbanística. Ao priorizar o adensamento em áreas centrais com infraestrutura consolidada, a cidade reduz os custos de expansão, melhora a mobilidade e fortalece os serviços públicos. Apesar de certa resistência inicial, o projeto respeita o Plano Diretor e oferece uma solução equilibrada para o crescimento urbano, promovendo um ambiente urbano mais eficiente e inclusivo, alinhado aos objetivos de desenvolvimento da cidade.
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Concordo plenamente com a avaliação sobre o projeto do grupo zaffari pois é melhor construir um prédio mais alto aproveitando melhor o terreno do que 10 mais baixos criando um paredão.
Precisamos de ampliação do tratamento de esgoto , não vejo a opinião pública preocupada com os dejetos lançados na rede muito menos no dilúvio , antes de abraçar empreendimentos precisamos abraçar o dilúvio e não dar as costas para o arroio , também não adianta levantar diques se a enchente ocorre pela rede de esgoto , urge uma reforma da rede que se comunica com o rio .
Depois quando acontece uma enchente como a de maio quem mais sofre são as pessoas de baixa renda. Já destruíram o parque. Agora querem construir um arranha-céu. Discordo totalmente como está posto!