4 exemplos de apoio às brincadeiras infantis em bairros de baixa renda
Garantir o direito das crianças ao brincar nos espaços urbanos vai muito além da construção de parques e playgrounds.
As cidades vêm diminuindo a velocidade máxima para os carros, de forma a possibilitar uma convivência harmônica entre os diferentes modos de transporte.
15 de novembro de 2017Diversas cidades do mundo têm optado por reduzir a segregação entre diferentes modos de transporte e por diminuir a velocidade máxima para os automóveis, de forma a possibilitar uma convivência harmônica entre diferentes modos de transporte nas ruas. Tal estratégia é também chamada de “espaços compartilhados” ou “shared spaces”, em inglês, e se baseia na ideia de que ruas que permitem altas velocidades para os automóveis tornam-se hostis a pedestres e ciclistas, inibindo a presença de modos de deslocamento não motorizados. Não há, portanto, uma concorrência justa entre tais modos e o automóvel particular, situação agravada pela pavimentação asfáltica que estimula a alta velocidade, pela ausência de sinalização adequada e pela delimitação clara de faixas de rolamento.
Um caso conhecido de aplicação de espaços compartilhados aconteceu na cidade de Haren, na Holanda. Uma escola infantil nos subúrbios da cidade recebia reclamações frequentes dos pais de alunos de que as vias ao redor da escola apresentavam tráfego intenso de automóveis e seriam perigosas para as crianças que, no país, têm o costume de ir e voltar sozinhas da escola. Na contramão de optar pelas soluções ditas tradicionais, como construir cercas ao redor da escola e delimitar faixas de travessia, o poder público municipal optou por eliminar quaisquer segregações entre calçadas e vias, aproximando os equipamentos recreativos dos automóveis. Ao se aproximarem de um trecho da via que aparentava passar por dentro da escola, os motoristas automaticamente reduziam a velocidade, garantindo a segurança das crianças de forma mais eficaz do que ocorreria caso se segregasse o trânsito e permitisse altas velocidades.
Cidades grandes do mundo também estão optando por esse tipo de transformação. Em preparação para as Olimpíadas de 2012, Londres reformou a Exhibition Road, tradicional rua que dá acesso a instituições como o Victoria & Albert Museum e a Imperial College, em um espaço compartilhado, diminuindo quase pela metade o número de acidentes na área.
Além de compartilhar o espaço, é fundamental que haja a redução de velocidade máxima nesses trechos. Tal redução deve ser realizada de forma a induzir o motorista a naturalmente diminuir a velocidade, utilizando, por exemplo, pavimentações diferentes no asfalto, como pisos intertravados. Reduções que tentam impor mudanças de comportamento por intermédio de sinalizações aliadas a radares de velocidade e multas estão sujeitas a falhas de fiscalização, não geram incentivos imediatos para que haja de fato uma redução de velocidade e provocam reações negativas de grande parte da população, que acredita que tal sistema é desenhado apenas para fins de arrecadação financeira.
A redução de velocidade e compartilhamento do espaço também permite manter a mão dupla das vias, que acabam se tornando não apenas mais seguras para pedestres e ciclistas, mas também mais eficientes para o deslocamento de automóveis do que o tradicional “binário”, em que vias de mão única têm sentidos alternados em cada quadra. Ao se determinar uma via como mão única, impede-se que os deslocamentos sejam feitos pelos caminhos mais diretos entre dois pontos, concentrando o tráfego em vias que não necessariamente seriam o melhor caminho a ser escolhido e contrariando o direito de escolha dos transeuntes, seja de bicicleta ou automóvel.
É importante ressaltar, enfim, que as principais consequências da segregação dos fluxos de tráfego e das altas velocidades no trânsito são os acidentes e atropelamentos. Como se pode observar no gráfico a seguir, há um aumento significativo no risco de morte em caso de atropelamento a partir da velocidade de 30km/h. Para atropelamentos que ocorrem a 60km/h, o limite de velocidade de avenidas de muitas cidades brasileiras, o risco de morte ultrapassa 70%.
Sugerimos, assim, que ruas mais estreitas tenham velocidade-limite de 30km/h, possibilitando e incentivando o fluxo de pedestres. Entendemos que essa mudança de conceito em relação a como percebemos o trânsito na cidade deve ser gradual, mantendo limites entre 50km/h e 60km/h em avenidas principais. Curitiba implementou a chamada “via calma” na região central, com limite de 40km/h, e obteve uma redução de quase 30% no número de acidentes.
A exemplo de Curitiba, tais áreas podem ser implementadas em regiões centrais onde tais características já existem na prática, mas não são formalmente reconhecidas. É possível criar, assim, um ambiente urbano convidativo para passeio e permanência, e não apenas de trânsito, como ocorre nas regiões centrais e mais antigas das cidades brasileiras.
Esse capítulo do Guia de Gestão Urbana foi escrito pelo parceiro e colaborador Marcos Paulo Schlickmann, engenheiro civil especializado em transportes e doutorando em Sistemas de Transportes no Programa MIT Portugal.
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