Transformando cidades em dados
O sensor LIDAR, o mapeamento de comunidades informais e as possibilidades dos dados estruturados no projeto Favelas 4D.
O Jardins, em São Paulo, se tornou símbolo de ineficiência urbana: maior acessibilidade a empregos da cidade, escassez de moradias, exportação de congestionamentos e bilhões em valor que poderiam ser capturados e reinvestidos — até mesmo em uma nova linha de metrô.
4 de setembro de 2025São Paulo mantém, em pleno coração econômico da cidade, cerca de 5 km² praticamente intocados pela verticalização (perímetro tombado que abrange Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulistano e parte do Jardim Paulista). Esse enclave, os Jardins, abriga apenas aproximadamente 7 mil moradores — menos que muitos condomínios-clube da periferia. O custo disso não é apenas urbanístico. É econômico e fiscal.
O Jardins apresenta densidade média estimada em aproximadamente 1.500 hab/km² (variando entre 600 e 2.900, conforme recortes). Em comparação, distritos como Moema e Pinheiros operam próximos a 8.000–10.000 hab/km². Se os Jardins tivessem densidade semelhante à de Moema/Pinheiros, abrigariam ~ 40 mil pessoas adicionais. Se adotassem densidades do Centro da capital, o incremento seria na ordem de ~100 mil moradores.
A contradição é direta: o estudo do Observatório do Instituto Cidades Responsivas mostra que essa região é justamente onde há maior acessibilidade a empregos em até 45 minutos. Ou seja, a área mais estratégica da cidade permanece reservada a uma elite de poucos milhares.
Ao restringir o potencial construtivo, a Prefeitura limita a oferta de moradia. Em mercado com demanda estruturalmente alta — pela proximidade dos maiores polos de emprego — o resultado é previsível: preços entre os mais altos do Brasil, com anúncios pontuais ultrapassando R$ 60 mil/m² em produtos de alto padrão. A escassez regulatória se converte em exclusividade e barreiras de acesso, aprofundando desigualdades.
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“Trânsito vai explodir”: a variável crítica é a distância. Mais gente perto dos empregos reduz VKT (quilometragem rodada) e deslocamentos forçados, aliviando pressão sistêmica. Na prática, manter baixa densidade em áreas centrais, como os Jardins, apenas exporta congestionamento para o restante da cidade, ao obrigar centenas de milhares a percorrer longas distâncias diárias de carro ou transporte público. Estudos de mobilidade urbana mostram que a relação entre densidade e tráfego não é linear: cidades mais densas, quando bem estruturadas, tendem a reduzir deslocamentos totais e melhorar a eficiência da rede, enquanto áreas de baixa densidade ampliam a dependência do automóvel e agravam o congestionamento metropolitano.
Em um município com déficit habitacional e orçamento pressionado, reservar essa localização para tão poucos significa abrir mão de bilhões em valor imobiliário, ISS e IPTU — além de impor à cidade o custo de expandir infraestrutura na periferia, quando os Jardins já dispõem de capacidade instalada (água, energia, vias estruturais, comércio e serviços).
Bastariam ajustes cirúrgicos no Plano Diretor/Zoneamento para liberar potencial construtivo, acoplados a mecanismos de captura de mais-valias:
Resultado esperado: adensamento próximo ao emprego, menor dependência do carro, redução de emissões e incremento fiscal — com parte do ganho cativa para o próprio bairro (melhorando a infraestrutura) e parte para fundos de habitação/infraestrutura metropolitanos.
Exercício de ordem de grandeza para ilustrar o potencial de captura pública:
Receita potencial da OODC: aproximadamente R$ 9 bilhões ao longo da implantação.
Mesmo descontando custos de mitigação e melhorias (calçadas, drenagem, arborização, redes, acessos e microintervenções viárias), o saldo fiscal tende a ser amplamente positivo, além do ganho social de aproximar moradia e emprego. Com uma arrecadação dessa ordem, seria possível inclusive viabilizar uma nova linha de metrô de cerca de 5 km, ligando Pinheiros (Fradique Coutinho) a Moema e cruzando o Jardim Europa, Itaim e Vila Olímpia. Considerando o custo médio de R$ 1 bilhão/km observado nas últimas obras do metrô de São Paulo, o investimento seria de aproximadamente R$ 5 bilhões.
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Esse traçado, inclusive, coincide com a chamada Linha Rosa do metrô, já prevista nos estudos de expansão da malha metroviária de São Paulo. Os 5 km sugeridos se inserem dentro dos 32 km totais propostos pelo governo Tarcísio para a nova Linha Rosa, que conectará diversas regiões estratégicas da capital.
Além da arrecadação direta, existe a captura de valor intangível. Aumentar a densidade nas áreas centrais eleva a qualidade de vida, ao reduzir o tempo médio de deslocamento entre casa e trabalho. Isso tem reflexo direto na produtividade urbana. O estudo Productivity and the Density of Human Capital (“Produtividade e a densidade de capital humano”) demonstra que regiões mais densas concentram capital humano de forma mais eficiente, gerando externalidades positivas que elevam a produtividade média. Os autores estimam que duplicar a densidade urbana aumenta a produtividade entre 2% e 4%, dependendo da qualidade da infraestrutura de capital humano. Em São Paulo, permitir que mais pessoas vivam próximas a empregos estratégicos não apenas melhora a eficiência dos deslocamentos, mas também eleva o potencial de inovação, networking e geração de riqueza na metrópole.
O debate sobre o adensamento dos Jardins extrapola a discussão arquitetônica ou estética. Trata-se de uma decisão estratégica sobre o futuro de São Paulo: continuar a destinar seu solo mais valioso para poucos ou destravar um enorme potencial de inclusão, eficiência e prosperidade. As evidências mostram que manter a baixa densidade significa reforçar desigualdades, exportar congestionamentos e desperdiçar receitas fiscais. Já flexibilizar o zoneamento com critérios claros e mecanismos robustos de captura de valor gera benefícios múltiplos: mais habitação acessível, melhor uso da infraestrutura, maior produtividade e incremento de arrecadação. A escolha é política, mas os números e a lógica econômica são inequívocos.
Para saber mais sobre como os instrumentos regulatórios afetam a dinâmica urbana e a acessibilidade habitacional no Brasil, conheça o curso “Do Planejamento ao Caos“.
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