O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Estruturas como bancas de jornal e os quiosques possuem muitos desafios de gestão e regulamentação. Como podemos explorar o potencial dessas estruturas e, ao mesmo tempo, garantir que elas não prejudiquem os espaços públicos?
12 de setembro de 2024Em 2019, foi inaugurada em São Paulo a repaginação da estrutura de uma antiga banca de jornal, agora com um uso diferente: uma descolada loja de bebidas. A ideia, à princípio, parece boa: reformar uma estrutura que tinha um uso em decadência, contribuindo para a vitalidade da calçada onde está alocada. Porém, o que parece importar a poucos ou nenhum é o fato de que a estrutura não parece se enquadrar com o espírito da legislação que a Prefeitura de São Paulo estabelece para bancas de jornais e revistas: “O Termo de Permissão de Uso para a venda de jornais e revistas, em pontos fixos, é documento necessário para o exercício desta atividade nos logradouros públicos”.
Enquanto isso, em Porto Alegre, a prefeitura aprovou o projeto de um contêiner na chamada “Prainha do Iberê”, na orla do Guaíba. O adotante da área, cuja estrutura tem como objetivo ser um apoio aos esportistas que frequentam a orla, “oferecerá, como contrapartida ao município, os serviços de capina, roçada, paisagismo, limpeza, varrição e recolhimento do lixo, entre outros”. Apesar de estar enquadrado na legislação, o projeto foi alvo de críticas e desconfiança por conta da permissão de exploração comercial inédita naquele espaço, que é público.
Não surpreende que estruturas como bancas de jornal e contêineres enfrentam dilemas como esses. Afinal, são pontos privados, com finalidade comercial, fixados em áreas públicas. Muitos, inclusive, acabam atrapalhando essas áreas, ocupando uma grande parte da calçada ou prejudicando a visibilidade e a circulação. Por outro lado, é inegável o potencial que esses pequenos equipamentos têm para incentivar a caminhabilidade nas ruas e a permanência de pessoas em parques e praças, além de fomentar a economia local. Então como gerir esse tipo de estrutura de forma eficiente?
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Conforme a pesquisa de Viktor Chagas, professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF, o surgimento das bancas de jornal no Brasil remonta à atividade – anteriormente irregular – dos antigos jornaleiros, que comercializavam os periódicos distribuindo-os pelas ruas, sem um ponto fixo. A ausência de controle do poder público sobre a atividade e o não recolhimento de impostos fizeram com que a Prefeitura do Distrito Federal instituísse, em 1911, um decreto que exigia uma licença específica para que a atividade fosse exercida nos espaços públicos. Para viabilizar a fiscalização, os jornaleiros tiveram que encontrar uma forma de se diferenciar dos ambulantes, solução que começou com estantes e bancas de madeira. Nos anos 1950, o presidente Jânio Quadros promulgou a lei que definiu a padronização dessas estruturas.
Hoje, as leis municipais que regulamentam as bancas vão muito além de uma padronização arquitetônica e descrevem detalhadamente os tipos de atividades permitidas e as condições para o uso de publicidade, por exemplo. Mesmo assim, parece que o poder público, com seus instrumentos, atrapalha o desenvolvimento do potencial que esses elementos poderiam ter, ao mesmo tempo em que ainda permite situações prejudiciais para os pedestres, como é o caso de algumas bancas que atrapalham a visibilidade e o fluxo na calçada.
Para potencializar os benefícios que essas estruturas leves podem gerar para a cidade, o primeiro passo é repensar as restrições de usos e atividades. Delimitar exaustivamente os usos permitidos nessas estruturas tem se mostrado uma tarefa complexa. Em 2020, por exemplo, a legislação de 2002 referente às normas de funcionamento das bancas no Rio de Janeiro foi atualizada, e uma de suas sutis mudanças foi a troca do trecho que dizia “…filmes fotográficos, fitas de vídeo e cd’s…” por um que citava de forma mais simples “pequenos acessórios de informática”. Faz sentido, afinal, o número de pessoas que ainda compravam “fitas de vídeo e cd’s” em 2020 já era ínfimo. Porém, se fôssemos atualizar esses detalhes na lei a cada mudança de demanda de uma sociedade que se transforma rapidamente, teria que ser com uma frequência muito maior do que a cada 18 anos.
Engessar os usos também é um desafio diante do evidente declínio no mercado de impressões. Apesar do nome ainda ser utilizado, bancas focadas na venda de jornais e revistas são raridade. A maioria não teve escolha a não ser se reinventar e promover a venda de produtos muito diferentes desse escopo inicial.
As consequências dessa falta de flexibilidade de usos são muitas, como a irregularidade das atividades, que muitas vezes precisam se preocupar mais em atender ao mercado e à demanda antes de atender à lei. Pedro Duarte, vereador do Rio de Janeiro, relata em seu artigo sobre os problemas das bancas a ocupação dos espaços públicos por bancas abandonadas, que já não funcionam, apenas para fins de publicidade.
O emblemático caso da empresa Sinergy, que hoje atua em mais de 120 bancas em Porto Alegre e Curitiba, também ilustra falhas do poder público em aproveitar as oportunidades oferecidas pelas bancas e quiosques. Identificando a precariedade de estruturas antigas, a empresa oferece aos proprietários um novo quiosque padronizado em troca da instalação de anúncios de publicidade, dos quais vem a sua receita. A partir de uma necessidade evidente, o modelo de negócios atuou para resolver um problema e obteve lucro com a iniciativa. Nessa situação, o setor público, em tese o “proprietário da calçada” e que costuma arrecadar receitas com publicidade em espaços públicos como pontos de ônibus, acaba não participando do negócio e abrindo mão de uma receita que poderia ser pública.
Apesar de definirem as dimensões máximas, as normas que regulamentam as estruturas leves nas áreas públicas ainda resultam em tipologias que prejudicam suas adjacências. A preocupação com o tamanho e o uso acabam ofuscando detalhes como forma e a ocupação, que são atributos que podem ter desempenhos completamente diferentes a depender do contexto espacial.
Um quiosque com dimensões de 3 por 3 metros, por exemplo, pode ser adequado para uma calçada de 15 metros de largura, a depender do seu movimento. Isso não quer dizer que todo quiosque de 3 por 3 metros deveria ser permitido em qualquer lugar. E se ele for alocado numa calçada estreita, ou em área com um fluxo intenso de pedestres? Se o foco do poder público é gerir os espaços públicos, isso deve ser levado em consideração.
A falta de preocupação com essas características fica evidente em casos como o recente projeto desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo, de vender a permissão de ocupação de bancas abandonadas para outros pontos comerciais na tentativa de driblar o declínio econômico da atividade. Apesar da tentativa de revitalização, a iniciativa falha em continuar permitindo estruturas com uma ocupação que prejudica a vida nas calçadas, como mostra o vídeo do urbanista Nabil Bonduki.
A solução para os dilemas aqui apresentados não é acabar com as bancas e quiosques, mas sim reformular e melhorar a sua gestão. Para isso, podemos tomar como inspiração alguns modelos. Comparando a volumetria e a implantação das bancas da Avenida Paulista, em São Paulo, com as da Broadway, em Nova York, ambas com uma grande movimentação diária de pedestres, vemos que na capital paulista o impacto da estrutura na experiência do pedestre é muito maior, tanto em termos de visibilidade quanto como obstáculo para o fluxo.
A regulamentação dessas bancas na cidade de Nova York parece mais eficaz. Para a aprovação, são exigidas plantas do projeto que nem precisam ser assinadas por um arquiteto. Mas há uma clara e minuciosa preocupação com o espaço público onde ele está inserido. Além de serem exigidas fotos do local proposto, a maior parte dos critérios de aprovação da volumetria dizem respeito à maneira como ela se relaciona com o seu entorno, estabelecendo distâncias mínimas entre elas e pontos de ônibus, postes, árvores, etc. A mensagem é clara: essas estruturas devem existir, mas a condicionante para isso é que elas não atrapalhem de forma alguma as outras atividades e estruturas na área pública.
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Outro exemplo interessante são os modelos de quiosques em algumas praças da cidade de Lisboa, em Portugal. São estruturas de pequeno porte que impactam pouco a visibilidade do entorno, além de servirem como um importante ponto de apoio para os frequentadores das praças, vendendo alimentos e bebidas.
Em suma, as bancas e quiosques poderiam ser pontos de conveniência e ativação de espaços públicos, e talvez até fonte de receita da prefeitura com publicidade, se bem geridos. Hoje, infelizmente, são áreas privadas sem os critérios de execução e fiscalização necessários para promover os benefícios que poderiam promover nos espaços urbanos.
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