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Como a taxa de congestionamento torna as cidades mais acessíveis
Enquanto Nova York adia seus planos para reduzir o congestionamento, o sucesso de políticas de taxa de congestionamento em outras cidades prova que essa medida não é apenas inteligente — é popular.
“A cidade vista da Queensboro Bridge é sempre a cidade vista pela primeira vez, em sua primeira louca promessa de carregar todo o mistério e a beleza do mundo”, escreveu F. Scott Fitzgerald há quase um século. E, no século seguinte, a vista da ponte mudou drasticamente. Para começar, os nova-iorquinos que dirigem para Manhattan hoje têm muito mais tempo para apreciá-la.
As ruas de Nova York estão mais movimentadas — e mais congestionadas — do que nunca. Mesmo com o número de passageiros no metrô e nos ônibus permanecendo muito abaixo dos níveis anteriores à pandemia, as 15 pontes e túneis da Metropolitan Transit Authority e da Port Authority registraram cerca de 457 milhões de travessias pagas de veículos em 2023, um recorde histórico.
Todo esse tráfego tem um custo — para motoristas, pedestres, usuários de transporte público e para o meio ambiente. E até o dia 5 de junho de 2024, parecia que Nova York finalmente ia estabelecer um preço para isso. Quase duas décadas após o então prefeito Michael Bloomberg ter defendido a ideia pela primeira vez, Nova York estava pronta para começar a cobrar dos carros $15 dólares para entrar no distrito comercial central de Manhattan (abaixo da 60th Street) durante os horários de pico, com cobranças menores fora dos horários de pico.
Então, a governadora Kathy Hochul — antes uma defensora declarada da taxa de congestionamento — fez um anúncio surpresa de última hora: o programa, que deveria começar em 30 de junho de 2024, seria adiado indefinidamente, disse Hochul, citando temores de que a taxa de congestionamento “criaria outro obstáculo para nossa recuperação econômica” após a pandemia.
Embora Nova York teria sido a primeira cidade americana a implementar tal cobrança, cidades ao redor do mundo — de Cingapura a Estocolmo — têm aplicado uma tarifa para congestionamento há décadas, e as evidências de fora são claras: a taxa de congestionamento funciona.
Em apenas algumas décadas durante a metade do século 20, os carros conquistaram a cidade de Estocolmo, de 750 anos. Já nos anos 1980, várias estratégias para recuperar do tráfego as 14 ilhas da cidade haviam sido propostas, mas a política impediu a materialização dos planos. Em 2002, como parte de um compromisso político, um parlamento sueco dividido começou a trabalhar para alcançar um objetivo há muito desejado: um período de teste da taxa de congestionamento em Estocolmo, seguido de um referendo público sobre a medida.
Em 3 de janeiro de 2006, o teste começou. Observando ele se desenvolver, Jonas Eliasson, um pesquisador (e entusiasta) de transportes por toda a sua vida, que atua como diretor de acessibilidade ao transporte na Administração Sueca de Transportes desde 2019, estava animado — e preocupado. Nenhuma das emoções era injustificada.
A taxa de congestionamento já havia sido bem-sucedida antes. Em 1975, Cingapura foi pioneira com seu Plano de Licenciamento de Área, um precursor do seu moderno sistema Electronic Road Pricing – ERP(“cobrança eletrônica em estradas”), no qual os motoristas são automaticamente cobrados com base na sua localização, tipo de carro e hora do dia. Em 2003, Londres começou a cobrar motoristas para entrarem em seu centro — uma ideia proposta pela primeira vez nos anos 1950. Em 2006, havia 33% menos viagens de carro para o centro de Londres do que em 2002, 25% mais viagens de ônibus e 49% mais viagens de bicicleta. O congestionamento, a poluição e os acidentes de trânsito todos diminuíram conjuntamente.
Eliasson estava ciente desses benefícios, mas ainda temia que as questões políticas acabassem com o programa de Estocolmo antes que seus resultados fossem percebidos. O teste (cujo início havia sido adiado, novamente, por motivos políticos) estava programado para durar apenas sete meses. “Ter um teste de taxa de congestionamento significava construir toda a infraestrutura técnica no distrito comercial, os pórticos, as câmeras e tudo mais, e só para um teste”, diz Eliasson. “Eu pensava que, para tornar a taxa de congestionamento aceitável, teríamos que gastar as receitas de uma forma realmente notável e tangível. E na época, não tínhamos isso”.
Eliasson estava errado, felizmente. Apesar da cobertura negativa da mídia e da desconfiança pública, o jogo da aprovação virou em favor da taxa de congestionamento em Estocolmo quase tão logo ela foi implementada. “Acho que o que surpreendeu a todos foi que os efeitos no tráfego eram muito visíveis. Desde o primeiro dia, você podia ver os benefícios a olho nu”, diz Eliasson.
O tráfego rodoviário no distrito central de Estocolmo caiu 20% quase imediatamente após o início do programa, enquanto os motoristas trocavam suas viagens individuais por caronas compartilhadas e outros meios de transporte. As ruas ficaram mais silenciosas e a poluição do ar diminuiu em 12% — tudo isso com uma cobrança máxima equivalente a apenas $2 dólares. Em setembro de 2006, tornaram a taxa de congestionamento permanente por meio de voto majoritário, e em 2011 a medida alcançou quase 70% de apoio público.
“Quase imediatamente o debate mudou de ‘Isso vai funcionar?’ para ‘Ok, agora sabemos que funciona. Podemos ajustá-la de alguma forma? Devemos ter cobranças mais altas ou mais baixas? Com o que devemos gastar a receita?’”, diz Eliasson.
Mesmo que Estocolmo tenha passado a amar a taxa de congestionamento, os carros não desapareceram totalmente do centro da cidade. Mas a taxa de congestionamento não precisa tirar todos os carros das vias para funcionar. “Um esquema de taxa de congestionamento não está tentando fazer com que a maioria das pessoas mude seu comportamento. Está tentando fazer com que algumas pessoas mudem seu comportamento”, diz Lewis Lehe, professor assistente de sistemas de transporte na Universidade de Illinois Urbana-Champaign.
O tráfego, explica Lehe, é um fenômeno não linear: uma rua operando a 70% da capacidade funcionará tão bem quanto a 95% da capacidade. Ultrapassar a capacidade da estrada, mesmo que por apenas alguns veículos, pode paralisar o sistema viário. “Uma pequena redução no fluxo do tráfego pode ter um efeito surpreendentemente grande”, diz Lehe.
O sonho adiado de Nova York
Em 5 de junho de 2024, com pouco mais de três semanas até o início previsto do programa — e apesar de anos de esforços legislativos, 4.000 páginas de revisão ambiental, $500 milhões de dólares em custos de implementação já gastos, dezenas de investimentos já agendados e dependentes do financiamento do congestionamento e a aprovação explícita da legislatura do estado de Nova York e do conselho da Metropolitan Transit Authority —, a governadora Kathy Hochul anunciou que a taxa de congestionamento seria pausada indefinidamente.
Como Estocolmo demonstra, a taxa de congestionamento é mais impopular pouco antes de ser implementada — quando os custos foram amplamente divulgados e inimigos políticos foram feitos, mas os benefícios ainda não foram percebidos. A governadora, em um vídeo que foi divulgado, citou a possibilidade de “consequências não intencionais” como justificativa para colocar o programa em espera. “Os trabalhadores nova-iorquinos estão sendo esmagados pelos custos, e eles e a vitalidade econômica da nossa cidade devem ser protegidos”, disse Hochul. (Fontes próximas à governadora também disseram que o medo de uma reação política antes das eleições de novembro foi o motivador principal da decisão.)
Nova York é única entre as cidades americanas. Das 1.000 áreas de mercado de trabalho designadas pelo censo nos EUA, Manhattan é a única onde a maioria dos passageiros faz suas viagens por meios que não são carros.
Apenas 4% dos residentes dos outros bairros — e apenas 2% dos residentes de baixa renda dos outros bairros — dirigem para Manhattan para trabalhar, e a renda mediana dos passageiros de carro que vão para Manhattan é 20% maior do que a dos usuários de metrô e ônibus. Além disso, a tarifa de congestionamento nos horários de pico custaria apenas $1 dólar a mais do que o custo de ir de ônibus expresso interbairros, e fora dos horários de pico, a tarifa de $4 dólares ainda seria mais barata do que uma viagem de ida e volta de metrô.
Para preencher a lacuna fiscal criada pela pausa, Hochul sugeriu a ideia de um imposto adicional sobre a folha de pagamento das empresas da cidade de Nova York. Isso deslocaria o ônus dos motoristas, muitos dos quais viajam de fora da cidade ou do estado, para as empresas dentro da cidade, agora presas com os encargos fiscais e ambientais do congestionamento enquanto financiam um sistema de transporte que atende três estados e mais de uma dúzia de municípios.
Embora uma tarifa possa ter sido inicialmente impopular, a taxa de congestionamento, ao reduzir atrasos e tempos de viagem, tem benefícios a oferecer até mesmo para os motoristas. Em 2022, o motorista médio da Big Apple passou 117 horas no trânsito. “Desde que você tenha uma quantidade escassa — seja de espaço viário ou de qualquer outra coisa — então você está pagando por isso de alguma forma. Você está pagando com o seu tempo ou está pagando com dinheiro”, diz Eliasson. “O dinheiro pode ser arrecadado e depois gasto em outra coisa, enquanto o tempo que você passa em uma fila é realmente perdido, você não pode recuperá-lo de nenhuma forma.”
Nova York tinha grandes planos para os estimados $15 bilhões de dólares em receitas que a taxa de congestionamento estava projetada para arrecadar: financiar investimentos há muito esperados no sistema de transporte da cidade, tanto em termos de serviço quanto de acessibilidade.
Claro, as questões econômicas não são a única preocupação. Tanto os críticos quanto os defensores da taxa de congestionamento reconhecem que há algumas viagens de carro para Manhattan que são inevitáveis, particularmente para nova-iorquinos com deficiências. “Algumas pessoas não têm opção, e nem sempre é viável para algumas pessoas usarem o transporte público”, diz Sarah Kaufman, diretora do Rudin Center de Política e Gestão de Transportes da Universidade de Nova York, que observa que o esquema de taxa de congestionamento teria isenções para pessoas com deficiências e que as melhorias de acessibilidade para as estações de metrô estão entre os projetos que receberiam financiamento do congestionamento. “Mas para as pessoas que estão fazendo uma escolha consciente de dirigir em vez de usar o transporte público, isso visa endereçar essa escolha e contabilizar as externalidades negativas que elas estão impondo a outras pessoas.”
Assim, para a maioria dos nova-iorquinos, uma entrada de financiamento — um aumento de quase 30% no orçamento de capital da Metropolitan Transportation Authority — traria consigo melhorias críticas na acessibilidade, no serviço e na qualidade de vida. “Todos os dias, a maioria dos nova-iorquinos — vários milhões de pessoas — dependem do transporte público para chegar onde precisam”, diz Danny Pearlstein, diretor de comunicações e políticas da Riders Alliance.
“Se você for até as pessoas na Fulton Street, no Brooklyn, onde as linhas A e C estão programadas para receber $1,3 bilhão de dólares, e perguntar a elas: ‘Ei, como você se sente em relação aos atrasos nas melhorias?’ as pessoas não vão ficar muito felizes com isso”, diz Pearlstein. “A taxa de congestionamento não pode acontecer cedo o suficiente.”
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