Um paralelo entre os vinhos e os edifícios altos do Brasil

Como um bom apreciador de vinhos, a chamada para o lançamento do “Informe Descorchados Brasil 2024” me chamou atenção, pois foi um verdadeiro “puxão de orelha” para os produtores de vinhos brasileiros, em especial para os da serra gaúcha. Segue ela:

“En Descorchados seguimos insistiendo en la ideia. Para nosotros, la serra gaucha – donde se produce algo así como el 85% del vino brasilero – tiene que definirse, buscar su camino, ser honesta consigo misma y hacer los mejores vinos posibles bajo las especiales condiciones que su clima y sus suelos ofrecen. No forzar las cosas, en el fondo. Y ese camino, qué duda cabe, es el espumante. Desde que cubrimos los vinos brasileros para DESCORCHADOS, hace ya más diez años, el estilo de burbujas ha crecido enormemente en calidad, los vinos cada vez son mejores y el prometido es alto, además de entretenido en su variedad: rosados, estilo Asti, sin filtrar, pet-nat. Hay para todos los gustos, una gran dulcería para los amantes de las burbujas. Sin embargo, y aunque creemos que los espumantes deberían ser el estilo que domina, también hay espacio para otros vinos que pueden tener éxito. Pensamos tintos ligeros, rosados, claretes. El clima lluvioso de la Serra es complejo, definitivamente no muy amable para quienes quieran tintos de gran concentración (como algunos insisten en hacer), pero sí puede ofrecer otras rutas y muchas de ellas ya comienzan a ser exploradas.”

Esse comentário foi realizado em uma publicação da página do Instagram e, para quem não sabe, o Guia Descorchados, publicado anualmente, elege os melhores vinhos da América do Sul (Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Bolívia e Peru), degustados e escolhidos por renomados sommeliers do continente. 

Em suma, o guia criticou os vinhos brasileiros por não possuírem uma identidade própria e insistirem na imitação de receitas de vinhos mais potentes para as quais as condições climáticas daqui não são propícias, diferente de Chile, Argentina e Uruguai.  Ademais, eles sugerem focar e “criar” essa identidade nos vinhos, que podem ser de excelência e se distinguirem dos demais locais.

Logo, o paralelo que traço entre essa crítica para os vinhos brasileiros e as edificações em altura que vêm sendo construídas no país é justamente essa falta de identidade e a vontade de imitar arquiteturas realizadas mundo afora, e me faz questionar: o que há de tão intrínseco na nossa cultura que nos faz ter uma vontade inabalável de imitar o que é de fora e deixar de lado a nossa identidade?

Na arquitetura dos edifícios altos, o que pesquisadores estudam ser a tipologia deste século XXI, há 80 anos, um senhor chamado Lucio Costa já falava sobre essas características. Tratei sobre esse tema na minha dissertação de mestrado e em colunas publicadas no Caos Planejado.

A arquitetura brasileira possui uma identidade sem tamanho que poderia ser interpretada e reinterpretada em qualquer arquitetura contemporânea. Muitos edifícios em altura já foram projetados com essas características 60 anos atrás. Sinceramente, assim como o Descorchados comenta, é um enorme desperdício cultural (tristeza para mim), a cada edifício alto lançado e construído, ver as imitações baratas e mal projetadas por aí. Até porque, diferente dos vinhos que a cada colheita podem ser modificados e melhorados, os edifícios em altura vão ficar por 100, 200 ou mais anos…

Para não ser tão pessimista, uma (R)evolução já começou a acontecer. Ainda muito tímida nas edificações mais altas, mas ganhando certo corpo nas demais tipologias. Abordarei ela em minha próxima coluna.

Obs: a arquitetura projetada é diferente da morfologia dos edifícios induzida pelos regramentos urbanos. Pode haver péssima arquitetura com volumetrias que agregam para o ambiente urbano, como pode haver o contrário.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.