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A frota automotiva cresce e as condições do transporte coletivo parecem estagnadas. Fica a dúvida: faltam vagas ou sobram carros?
2 de janeiro de 2023O assunto veio à tona novamente no final de 2022 após o governo publicar decreto que regulamenta a concessão das vagas de estacionamento1. A cobrança pelas vagas públicas é comum em muitas cidades2, do país e do exterior, mas nunca emplacou na capital federal.
A ideia é bem-vinda, mas se deve ter atenção à proposta do Governo do Distrito Federal (GDF) de conceder ao setor privado o direito de explorar economicamente. Em 2020 o GDF apresentou a proposta inicial, que continha pontos negativos e controversos.
Para a cidade, pode-se que dizer que a cobrança é positiva basicamente por quatro motivos: ordenar os espaços públicos; cobrar de quem efetivamente usa as vagas; desestimular o uso do automóvel; garantir recursos para investimentos em mobilidade.
O ordenamento das áreas públicas é fundamental. Basta uma caminhada curta por Brasília para notar os problemas em razão do vale-tudo na hora de estacionar: carros em fila dupla (ou tripla) e bloqueando rampas. Canteiros, calçadas e ciclovias também são invadidos por motoristas. A capital moderna e tombada deve disciplinar o estacionamento e coibir as infrações cotidianas.
Atualmente quem usa as vagas públicas não é cobrado e o valor pelo uso das vagas é indiretamente pago por todos, mesmo por quem não dirige. Ao regulamentar a cobrança, a fatura pela vaga será cobrada diretamente de quem usa. Além de atribuir valor ao espaço da vaga, a zona azul (como é conhecida em muitas cidades do país) propicia rotatividade. Ou seja, mais pessoas usam as vagas, o que é bastante positivo para o comércio.
Outro argumento favorável é que a cobrança acaba desestimulando o uso do carro. Ao saber que terá que pagar pela vaga, o motorista pode repensar e considerar outras opções como ônibus e metrô, ou a caminhada e a bicicleta.
Os recursos arrecadados podem e devem ser usados para melhorar a mobilidade urbana. Existem bons exemplos de gestão dos recursos do estacionamento rotativo, como o de Fortaleza (Ceará). Uma lei municipal obriga a destinação de 100% da arrecadação em infraestrutura para os ciclistas3. Ciclovias foram construídas e o sistema de bicicletas compartilhadas de Fortaleza foi ampliado com recursos do estacionamento rotativo.
A seguir, alguns dos pontos importantes a observar e acompanhar:
Com base na proposta inicial de estacionamento rotativo pago, batizado pelo GDF de Zona Verde, os recursos arrecadados seriam destinados à previdência dos servidores. Em entrevista recente, o secretário de Transporte e Mobilidade, Walter Casemiro, disse que a legislação no Distrito Federal ‘determina que toda concessão ou PPP [parceria público-privada] o recurso arrecadado tem que ser direcionado ao IPREV [Instituto de Previdência dos Servidores do Distrito Federal]’. Ele afirmou ainda que existe projeto de lei em discussão para criar um fundo de transporte que receberia recursos de concessões.
Segundo notícia do jornal Metrópoles, a lei que previa a destinação dos recursos da Zona Verde para o Iprev foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça (TJDFT), o que deve facilitar a futura destinação dos recursos para um fundo específico voltado à mobilidade urbana. É importante o controle da sociedade com o objetivo de garantir que os recursos do estacionamento sejam investidos em melhorias no transporte coletivo e/ou na mobilidade ativa (não motorizada), em vez de serem destinados à previdência dos servidores.
Numa cidade altamente dependente do automóvel (cerca de metade dos deslocamentos são feitos por transporte individual motorizado no DF)4 e com sistema de transporte deficiente, é de se esperar resistência à cobrança. É importante que o GDF estabeleça metas de melhoria no sistema de transporte e divulgue as ações concretas para tornar o serviço de ônibus e metrô atrativo para a população.
O governo poderia promover campanhas de incentivo ao uso do transporte coletivo, mostrando os benefícios de uma cidade com menos carros. Uma forma simples de incentivar a população seria se secretários de estado, dirigentes dos órgãos públicos e o próprio governador passassem a usar ônibus e metrô no dia a dia. Como se diz, o exemplo vem (ou deveria vir) de cima.
Mais linhas de ônibus (inclusive com ônibus executivo), pontualidade (com informações em tempo real nos pontos de embarque) e agilidade (ampliação das faixas exclusivas e corredores de ônibus) poderiam tornar o transporte público mais atrativo.
Um ponto preocupante é a contradição do governo ao lançar a proposta com objetivo de restringir o uso do automóvel em meio a tantos projetos e obras que claramente privilegiam o uso do carro. As obras de viadutos são vistas em muitos pontos do Distrito Federal, com alto custo. Para citar alguns projetos e obras: viaduto entre o Sudoeste e o Parque da Cidade (R$ 25 milhões), viaduto no bairro Noroeste (R$ 37 milhões) e complexo de viadutos no Jardim Botânico (R$ 37 milhões).
Outras ações comuns e questionáveis são ampliações de vias e criação de mais vagas para motoristas. Como exemplos, a Saída Norte (conjunto de pistas e 23 viadutos sem o prometido BRT Norte), a ampliação da Estrada Parque Aeroporto (EPAR) e a criação do terceiro acesso a Águas Claras.
Uma frase resume o equívoco da política rodoviarista de incentivo ao automóvel: alargar vias para solucionar os congestionamentos é como afrouxar o cinto para tratar a obesidade.
Um dos objetivos da Zona Verde é desestimular o uso do automóvel e incentivar o uso do transporte coletivo. Considerando esse nobre objetivo, não faria sentido aumentar o número de vagas de estacionamento na área central. No entanto, a proposta de criar mais vagas aparece com certa frequência nas notícias e em projetos para a cidade.
Vale lembrar que, em tempos de teletrabalho (que se mostrou viável na pandemia do Covid), carros por aplicativo (uber e similares) e carros compartilhados (sistemas em operação em cidades do exterior), deveríamos pensar em reduzir as vagas de estacionamento, e não em ampliá-las.
Com a exploração das vagas públicas pelo setor privado, corre-se o risco de aumentar a pressão por vagas adicionais com o intuito de aumentar o lucro por parte da empresa concessionária. Aliás, recentemente houve ampliação do estacionamento em volta do Centro de Convenções Ulysses Guimarães (que passou a ser administrado por empresa concessionária em 2018), com perda de área verde.
Em grandes eventos em Brasília ocorre um vale-tudo: carros em calçadas, canteiros e ciclovias. Não daria para incentivar o uso de ônibus e metrô (com reforço na frota) ou carros de aplicativo? Seja em eventos festivos (por exemplo, Picnik e Natal na Esplanada), esportivos (eventos no estádio ou no ginásio) ou em dias de prova (concurso público e Enem), o caos se instala.
Muitas vezes em notícias sobre estacionamento, ouve-se a alegação de falta de vagas de estacionamento. Mas a frota automotiva cresce gradativamente e as condições do transporte coletivo parecem estagnadas. Fica a dúvida: faltam vagas ou sobram carros?
É preciso repensar a cidade. Criada com base no automóvel, seis décadas depois, Brasília pode e deve adotar os preceitos da mobilidade moderna e sustentável, com prioridade ao transporte coletivo e aos pedestres e ciclistas. Esse é o rumo trilhado pelas cidades modernas.
1 Decreto 43.961, de 21/11/2022.
2 Em pesquisa no google, constatei que um número razoável de cidades — de médio e grande porte — do Brasil têm a chamada zona azul. Entre as capitais, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Fora das capitais a cobrança também ocorre em cidades de diferentes estados: Araraquara (SP), Itajaí (SC), Jaraguá do Sul (SC), Juiz de Fora (MG), Limeira (SP), Mauá (SP) e Vila Velha (ES).
3 A lei municipal 10.752/2018 prevê que os recursos do estacionamento rotativo sejam “aplicados, exclusivamente, na Política Cicloviária do Município de Fortaleza.”
4 A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) revela a alta dependência: no bairro Sudoeste, 89% dos deslocamentos para o local de trabalho são feitos por automóvel; no Noroeste chega a 96%.
Publicado originalmente em Brasília pra Pessoas em dezembro de 2022.
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