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Em 1870, o tempo médio de trabalho semanal nos EUA era de 57 horas, em 2000, já tinha caído para 39 horas, redução de 32%. A França passou de 66 para 34 horas, redução de quase 50%. No mundo, a redução da jornada de trabalho foi em média de 64 para 36 horas, mostrando que a evolução tecnológica pode ter contribuído para a redução do tempo dedicado às atividades laborais.
No mesmo período, as sociedades também experimentaram uma notável revolução nos meios de transporte. Até então, uma carroça típica, puxada por cavalos, dificilmente ultrapassava os 20 km/h. Já o popular modelo T lançado por Ford em 1908 atingia até 72 km/h, e a maioria dos modelos atuais de automóveis tem capacidade de atingir mais do que 200 km/h (ainda que seja algo impraticável no meio urbano e não recomendado em rodovias).
Todavia, apesar deste notável ganho na velocidade potencial dos veículos motorizados, alguns estudos apontam que, diferente da jornada laboral, o tempo dedicado aos deslocamentos diários permaneceu mais ou menos constante ao longo do último século ou até aumentou. Uma das explicações para o fenômeno pode estar na chamada constante de Marchetti.
No ano de 1994, o físico italiano Césare Marchetti, baseado nos trabalhos de Yacov Zahavi, formulou uma hipótese ousada, afirmando que, em toda a história da humanidade, independente de cultura, raça ou religião, o tempo médio gasto em deslocamentos seria antropologicamente constante e giraria em torno de 1 hora por dia.
Portanto, para o autor, deslocar-se seria uma necessidade humana, baseada mais em instintos inatos do que propriamente em variáveis econômicas, o que ajudaria a explicar até mesmo a dimensão das cidades historicamente.
Por exemplo, enquanto a forma de locomoção predominante era a caminhada, o raio das antigas cidades da Grécia, de Roma, Persépolis, Marrakech ou Viena não costumava ser maior que 2,5 km, o que permitia, em 1 hora de caminhada, atingir qualquer ponto da cidade partindo do centro. De maneira que a expansão urbana só aconteceu à medida que novas tecnologias permitiram velocidades de deslocamento maiores.
É possível perceber que essa ideia traz novos desafios para quem trabalha com planejamento urbano e de transporte. Por muito tempo, o paradigma que orientou muitas das políticas de mobilidade na era do automóvel foi buscar reduzir o tempo de viagens, através do alargamento de vias e construção de viadutos. Várias das análises de custo-benefício feitas para obras viárias davam um peso monetário de até 80% para o possível benefício com economia de tempo advinda da melhoria no trânsito prevista.
Mas, se a proposição de Césare Marchetti estiver correta, um projeto viário que consiga temporariamente melhorar a circulação poderá fracassar no objetivo de diminuir o tempo dos deslocamentos. Afinal, com a eventual melhoria, os beneficiários poderão agora se mudar para o bucólico condomínio nas franjas urbanas, matricular o filho naquela escola conceituada um pouco mais longe, iniciar a tão sonhada aula de guitarra do outro lado da cidade, conhecer o novo e distante restaurante recomendado pelos amigos ou passar a frequentar a academia badalada muitas quadras a percorrer desde suas residências, de forma que o tempo que passam se deslocando diariamente continue mais ou menos constante.
A corroborar essa hipótese, estudo realizado em 2008, por David Metz da Universidade de Londres, observou que o tempo médio de deslocamento dos britânicos ficou estável em torno de 1 hora nos últimos 40 anos. Já a partir de dados dos EUA, trabalho realizado em 2009, por Gilles Durant da Universidade da Pensilvânia e Matthew A. Turner da Universidade de Brown, identificou que um acréscimo de 10% no tamanho das vias no país resultou em um aumento de 10% na distância média percorrida pelos motoristas. Os autores apontam que isso tenha ocorrido por pelo menos 3 motivos:
1) Aumento das distâncias percorridas por residentes;
2) Aumento das atividades de transportadoras;
3) Aumento do número de residentes no local.
Isso quer dizer que toda a política para reduzir tempo de deslocamento é inócua? Não exatamente. David Metz ressalta que existe uma diferença qualitativa quando as pessoas podem acessar mais opções devido a um ganho de velocidade no deslocamento, pois são novas possibilidades que se abrem, mais locais, pessoas e atratividades a se visitar.
O problema é que geralmente o ganho de velocidade nos deslocamentos costuma ser temporário. Na medida em que o transporte automotivo promete condições comparativamente mais vantajosas, em especial deslocamentos mais velozes do que as outras opções, isso incentiva a demanda por carros e faz com que as ruas voltem a ficar congestionadas no médio prazo. Para se ter uma ideia do fracasso histórico desse tipo de iniciativa, seguem algumas evidências em diferentes cidades do mundo:
• Em Pequim, na China, dados do Banco Mundial atestam que a velocidade média dos veículos automotores nos horários de pico caiu de 45 km/h em 1994 para menos de 10 km/h em 2005;
• Em Nova Delhi, capital da Índia, a velocidade média em horário de pico caiu pela metade em apenas seis anos, entre 2011 e 2016.
• Em São Paulo, a CET informa que a velocidade média nos horários de pico passou de algo em torno de 25 km/h em 1980 para próximo de 15 km/h em 2013.
Ademais, mesmo que ocorram avanços na velocidade média de deslocamento dos automóveis, outros problemas tendem a piorar. Em primeiro lugar, a velocidade mais elevada é uma das principais causas de tragédias no trânsito, especialmente para ciclistas e pedestres.
Por sua vez, caso realmente a velocidade média aumente, a regularidade histórica das médias do tempo de deslocamento proposta pela constante de Marchetti, e corroborada por diversos estudos, resulta necessariamente em maiores distâncias percorridas por todos.
E as implicações negativas disso não são nada triviais, levando a um aumento na emissão de poluentes na atmosfera e dos efeitos deletérios do espraiamento urbano, das ilhas de calor, impermeabilização do solo e alagamentos. Um conjunto de custos geralmente subestimado ou nem considerado nas análises de custo-benefício de obras viárias, mas que de acordo com David Metz podem superar os benefícios estimados.
Por isso, é muito bem vinda a proposta de Roberto Cervero, do Banco Mundial, que sugere avaliações de intervenções urbanas e projetos viários para além da busca por economia de tempo em viagens, incorporando metodologias mais robustas e inclusivas.
O autor sugere, então, que, para além de se considerarem os ganhos de velocidade, deveriam ser criados indicadores de acessibilidade (proximidade de empregos, médicos, educação e comercio), condições ambientais (poluição do ar, sonora e visual), perdas humanas e materiais com sinistros de trânsito, sustentabilidade (km percorridos por motoristas), habitabilidade (mudança para modais não motorizados, porcentagem de áreas verdes x impermeáveis) e acessibilidade (percentual do salário gasto com deslocamento).
Portanto, muitos técnicos têm recomendado que as cidades tentem reduzir o espaço dos carros nas vias, promovam a mobilidade ativa e o transporte coletivo, bem como criem condições para que um maior número de atratividades e oportunidades estejam mais acessíveis em várias partes da cidade.
Para isso ocorrer, tanto melhor que existam regras a favorecer o adensamento urbano, a diversificação dos tipos de ocupação do solo e boas políticas públicas para caminhadas e pedaladas, de forma que as ruas fiquem mais cheias, vibrantes e as pessoas tenham muito mais incentivo para gastar sua cota diária de deslocamento através de modos de locomoção mais aprazíveis e saudáveis a si, à economia, ao meio ambiente e à cidade.
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