Um olhar para a Bolívia

2 de fevereiro de 2024

Conhecer o mundo com a lente da arquitetura e do urbanismo social tem sido uma das experiências mais incríveis da minha vida.

Entender La Paz e El Alto além dos seus arredores na Bolívia, escutar seus moradores, caminhar pelas ladeiras, admirar as cores, a simplicidade na arquitetura, fotografar as cholas bolivianas, sorrir com as paisagens naturais, fez com que a Bolívia simplesmente torna-se um dos meus lugares preferidos.

Bolívia, considerada um dos países mais pobres da América Latina, têm mostrado avanços significativos para o seu povo. Ela é mais um exemplo real, e claro, de que o investimento público e privado, com a participação popular, pode promover um desenvolvimento territorial, cultural e socioambiental seguro, com qualidade para quem mais precisa – integrando-o à cidade formal.

Hoje quero compartilhar em tópicos, pontos cruciais que, ao meu ver, tem tornado o país único:

1. Mi Teleférico 

O sistema de teleférico de La Paz, conhecido como “Mi Teleférico”, revolucionou o transporte público da região com inúmeros benefícios para a cidade e seus moradores. Opera a uma altitude de aproximadamente 4.000 metros acima do nível do mar, tornando-o o teleférico mais alto do mundo. Ele fornece transporte rápido e confiável entre as principais atrações e reduz significativamente o tempo de deslocamento dos moradores locais. Anteriormente, a viagem entre La Paz e a vizinha El Alto levaria cerca de uma hora, mas com os teleféricos a viagem agora leva apenas 10 minutos.

O sistema pode transportar aproximadamente 3.000 pessoas por hora, aliviando o congestionamento e melhorando a mobilidade. Além disso, o custo de utilização do sistema de teleférico é menor em comparação com os ônibus tradicionais, pois  uma passagem só de ida custa apenas 3 bolivianos.

Um dos aspectos marcantes do sistema de teleférico de La Paz é o seu compromisso com o meio ambiente. O sistema foi projetado para funcionar com eletricidade, parte da qual é gerada por energia solar, que contribui para reduzir a poluição atmosférica na cidade.

Além dos benefícios práticos, o sistema de teleférico tornou-se uma atração turística popular. Os passageiros podem desfrutar de vistas panorâmicas deslumbrantes da cidade enquanto viajam pelas diferentes linhas do teleférico. O sistema consiste em três linhas, cada uma marcada com uma cor diferente e entre elas a vermelha, amarela e a verde.

Com planos de expansão e potencial para até 16 linhas até 2030, o sistema de teleférico continua a desempenhar um papel vital na transformação do transporte em La Paz e na melhoria da experiência urbana geral.

2. Cultura boliviana

A Bolívia é um país com uma rica história indígena e uma população majoritariamente indígena. Durante muitos anos, os povos indígenas da Bolívia enfrentaram marginalização e discriminação. Contudo, nas últimas décadas, registaram-se avanços significativos no reconhecimento dos seus direitos e na promoção da sua inclusão em vários setores da sociedade.

Em conversa com alguns moradores, nota-se que a inclusão dos povos indígenas nos espaços de tomada de decisão permitiu que as suas vozes fossem ouvidas e as suas perspectivas tidas em conta. Isto levou à implementação de políticas e iniciativas que atendem às necessidades e aspirações específicas das comunidades indígenas. Também contribuiu para a preservação e revitalização das línguas, práticas culturais e conhecimentos tradicionais indígenas. Como resultado, os bolivianos experimentaram um renovado sentimento de orgulho pela sua herança cultural. As tradições e valores indígenas são cada vez mais abraçados e celebrados pela sociedade em geral. 

Um fato curioso é o evento artístico chamado Cemitério de Arte Ñatintas em La Paz, que envolve a criação de murais e arte de rua dentro do Cemitério Geral de La Paz. Este festival apresenta obras de arte e murais impressionantes no terreno do cemitério com pinturas, grafismos, grafites que também reforçam a cultura indigena e trazem uma outra perspectiva cultural e simbólica sobre a morte para muitos bolivianos. 

3. Arquitetura boliviana

Por indicação de uma querida amiga pude conhecer um pouco das obras de Freddy Mamani Silvestre, arquiteto boliviano autodidata conhecido por desenvolver o estilo arquitetônico neoandino, seu trabalho está principalmente associado à cidade de El Alto e à classe social emergente de indígenas bolivianos em ascensão.

O estilo arquitetônico de Mamani incorpora elementos inspirados na arte e cultura andina. Ele usa formas como a cruz andina, planos diagonais, repetições e círculos para criar uma estética única e estilizada. Seus designs ganharam atenção por suas cores vibrantes e formas geométricas ousadas.

Entender suas obras me fez refletir sobre parte integrante da nossa identidade, da importância da celebração de nossas tradições e a transmissão de valores culturais às gerações futuras. O resgate das nossas raízes e cultura nos permite desenvolver projetos arquitetônicos sensíveis  ao contexto local.

Por outro lado, fiquei um pouco assustada com um crescimento vertical acelerado nas construções, principalmente nas cidades de El Alto e La Paz. Não era difícil observar moradias com mais de 3 andares, possivelmente para acomodar a crescente população e atender às demandas do desenvolvimento urbano.

4. Paisagens naturais

Minha primeira vez em contato com a neve foi na montanha de Chacaltaya na Bolívia. Uma paisagem que não fazia ideia que seria possível de acontecer. De acordo com o site topographic, Chacaltaya é um pico da Cordilheira dos Andes de 5.421 metros de altitude localizado na Bolívia. O acesso à estação é por uma estrada estreita e bem íngreme, e para se chegar à base, é necessário vencer um caminho de 200 metros, construído na década de 1930.

Outro espaço surpreendente é o famoso Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, que encanta com sua imensidão e paisagens. Trata-se de um lago pré-histórico que secou, deixando uma paisagem desértica de quase 11.000 km com sal branco e claro, formações rochosas e ilhas repletas de cactos. A principal é a Ilha do Pescado, conhecida também como Ilha dos Cactos. Esta área, de mais de 24 hectares, cercada de deserto por todos os lados, é o lar de cactos gigantes. Toda essa “ilha” era o topo de um vulcão que submergiu milhares de anos atrás. No meio do deserto existe um “cemitério” de trens. Construída em 1889, a linha de trem transportava minerais até o porto no Pacífico. Quando a indústria mineradora sofreu um colapso no país, em 1940, as locomotivas foram abandonadas. Todo o trajeto é constituído de desertos e lagunas, entre elas a Laguna Colorada, onde diversos Flamingos podem ser vistos, principalmente durante o mês de dezembro (Folha de São Paulo, 2021).

Há uma série de outros elementos a serem estudados e discutidos em relação à Bolívia. No momento entendo que aprender com as tecnologias que estão sendo desenvolvidas, o investimento em ações públicas e o resgate da cultura local, pode servir de base para futuras intervenções.

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Arquiteta e ativista urbana, pós graduada em urbanismo social e habitação e cidade, mestre em Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano, Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, atua com a gestão de projetos e ações sociais em territórios periféricos no Instituto Fazendinhando.
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