As árvores voltaram ao centro da discussão pública sobre o futuro das cidades e do planeta. São símbolo de preservação ambiental, da luta contra o desmatamento e da esperança de mitigação das mudanças climáticas. Nas urbes, entretanto, as mesmas árvores entram em conflito com normas de acessibilidade, calçadas mal planejadas e a onipresente fiação aérea. Nesse embate entre raízes e fios, espelha-se um dilema: como adaptar as cidades ao aquecimento global sem abrir mão do verde?
Hoje sabemos que árvores em áreas urbanas não são apenas ornamentos. São infraestrutura verde. Estudos apontam que a presença de corredores verdes pode reduzir em até 4°C a temperatura nas regiões em que são implantados, além de promover conforto térmico, absorver poluentes e estimular o convívio social. É o caso de Medellín, na Colômbia, onde o projeto dos corredores verdes transformou avenidas em eixos de sombra e biodiversidade.
Todavia, não basta plantar árvores. É preciso escolher quais árvores plantar. O uso de espécies nativas é fundamental para a saúde ecológica e funcional dos ecossistemas urbanos. Árvores adequadas ao bioma local consomem menos água, se adaptam melhor ao solo e ao clima, convivem com a fauna nativa e exigem menos manutenção.
Paris tem avançado com o plantio intensivo de árvores para mitigar as ilhas de calor. Barcelona ampliou parques lineares e áreas verdes conectadas. Bilbao investe em infraestrutura de drenagem verde. Esses exemplos mostram que investir em natureza urbana é uma resposta eficaz à crise climática. No Brasil, a tarefa se choca com uma barreira técnica e política: a fiação aérea.
Transformar as linhas de energia e telecomunicações em cabeamento subterrâneo é um passo essencial para liberar o espaço aéreo e permitir a expansão ordenada da arborização urbana. Trata-se, porém, de uma solução de alto custo, que exige articulação entre entes federativos, setor privado e órgãos reguladores. Para enfrentar esse desafio, o Projeto de Lei 5640/2023 propõe um novo marco legal para a segurança das linhas de transmissão, permitindo a conversão das redes aéreas em subterrâneas por meio de parcerias público-privadas, acesso a recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação (Fust) e a captação de financiamento climático internacional.
A proposta é estrutural. Ela se insere na lógica do multisolving – abordagem que busca soluções integradas para múltiplos problemas. No caso, por exemplo:
• Ambientalmente, permite o plantio de árvores nas calçadas;
• Esteticamente, elimina a poluição visual dos cabos suspensos;
• Na segurança pública, reduz a incidência de furtos de cabos;
• Na mobilidade urbana, evita panes em semáforos causadas por cortes ou falhas nos cabos;
• Do ponto de vista climático, torna a cidade mais resiliente a eventos extremos, como ventanias e tempestades.
A ideia de um Marco Legal da Infraestrutura Verde e Subterrânea nasce de experiências locais e institucionais. Ela foi levada ao Congresso com a ambição de criar para a arborização e o cabeamento o mesmo patamar jurídico que o saneamento conquistou em 2020.
Plantar árvores, hoje, é mais do que uma escolha estética ou ambiental. É um ato político, técnico e ético. E liberar espaço para que cresçam é uma exigência civilizatória. O futuro do planeta – e o presente das cidades – depende da nossa capacidade de transformar fios em raízes.
Élcio Batista
Coordenador do Programa Cidade +2°C do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper (Insper Cidades)
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.