Por que o Central Park não é o Cantagalo

14 de agosto de 2025

O Central Park de Nova York começou com um concurso em 1856: o Greensward Plan, vencido pelos arquitetos Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux. Foram 18 anos até ser parcialmente aberto, em 1876, na celebração do primeiro centenário da Independência Norte-Americana.

“Greensward Plan”, Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux, 1856

Após a sua inauguração, entretanto, a falta de verbas e ausência de gestão qualificada cobrou o seu preço, e a Grande Depressão (1929) paralisou de vez a manutenção e os cuidados gerais. As construções decaíram e se transformaram em ruínas, a vegetação cresceu descontrolada, os caminhos e amenidades foram destruídos por vândalos, o lago foi abandonado e o parque se tornou uma área de descarte de lixo e entulhos (não recolhidos).

A criminalidade avançou com o abandono, a crise econômica empurrou sem-teto e desempregados para as áreas mais degradadas do parque e surgiram na paisagem acampamentos improvisados, conhecidos como “Hoovervilles“.

Central Park em 1933

O parque só começou a reverter a trajetória de degradação e abandono pelo programa “New Deal”, de Roosevelt, na administração do prefeito Fiorello La Guardia, e pelas mãos de seu comissário de parques da cidade, Robert Moses. (Por uma ironia do destino, aquele que mais tarde tentaria rasgar toda a ilha de Manhattan com vias expressas e viadutos, projeto barrado pelo movimento de conscientização iniciado por Jane Jacobs, autora do livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”).

De lá para cá, nem tudo são flores, claro. E embora o parque tenha enfrentado períodos de menor cuidado, jamais teve aquele nível de degradação e abandono. É nesse ponto que as histórias de Nova York e das metrópoles brasileiras tomam caminhos opostos, para alegria dos nova-iorquinos (e tristeza dos paulistanos, cariocas, belo-horizontinos, recifenses e porto-alegrenses): os moradores e seus barracos foram retirados do parque, o parque foi limpo e a infraestrutura e os jardins gradativamente reconstruídos.

Em situações semelhantes nas cidades brasileiras, cansamos de ver as áreas verdes, as encostas de morro, os brejos e outras áreas de proteção invadidas. Cansamos de observar o poder público nada fazer até que os poucos barracos tomem o volume e as feições de favelas constituídas, ocupadas por comunidades de milhares.

Enquanto a cidade de Nova York reverteu o abandono e impediu que a invasão se tornasse fato consumado, as cidades brasileiras fizeram vista grossa, como se não pudessem ter impedido no tempo certo. Ainda hoje, tratam as favelas como um acontecimento sem gênese e sem responsáveis, uma espécie de acontecimento espontâneo e sem aviso prévio, invisível, surgido num átimo, na calada da noite.

Nada mais falso e, no entanto, nada mais óbvio do que o surgimento de uma favela. Onde a oferta é estrangulada e o transporte público deficiente, optar por morar numa favela, por mais complexo e indigno que seja, é uma opção compreensível diante da alternativa: morar a 2 horas ou mais dos empregos, da educação decente, de equipamentos de saúde, da segurança, do lazer e da vida cultural que apenas as zonas centrais de uma cidade oferecem.

Favelas não são um fato, mas uma resposta, um sintoma de políticas urbanas equivocadas e muito recalque contra o adensamento e o bom aproveitamento dos lotes. É sintoma de legislação ruim, mas também de excesso de burocracia, do um excesso de zelo na cidade regular, em oposição a uma cegueira deliberada na parte informal.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR e fundador do INSTITUTO CALÇADA. Acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou. (lmyssior@gmail.com)
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