O que é melhor, afinal: um automóvel ou um parklet? Um muro ou um Oxxo?
17 de setembro de 2024“A vida urbana […] é a coisa mais livre que pode existir para um homem hoje”. Essa frase do Paulo Mendes da Rocha explica um pouco da minha paixão por grandes cidades – e por São Paulo, em particular.
Carrego comigo um sentimento sempre a me impelir para a rua e, nos últimos dois anos, tenho buscado traduzir as impressões das minhas caminhadas pela cidade em artigos publicados no Diário do Comércio, no Correio Paulista e também aqui no Caos Planejado. É com grande satisfação que passo agora a assinar esta coluna quinzenal.
Fazendo um balanço das discussões que provoquei nesses dois anos, me dei conta de como também nas questões urbanas o pragmatismo, muitas vezes, dá lugar ao dogmatismo.
Num artigo em que propus novos usos para os parklets, por exemplo, recebi muitos comentários negativos falando que eles representavam a privatização do espaço público.
Em outro, no qual afirmei que o atual processo de verticalização da cidade tinha aspectos positivos, como as fachadas ativas, a crítica foi em relação à rede Oxxo e uma suposta padronização no comércio dos bairros.
Quando elogiei a ambiciosa Cidade Matarazzo ou a concessão do estádio do Pacaembu, me falaram da elitização de bens tombados.
Como economista, procuro estar sempre atento aos fatos e às evidências. Ainda que tenha uma visão romântica da vida urbana, busco ser pragmático nas minhas avaliações, apontando os muitos problemas da cidade, mas também reconhecendo os avanços, ainda que tímidos ou muito aquém do ideal.
No caso dos parklets, é fato que, com raras exceções, eles se tornaram mera extensão dos bares e restaurantes – e não espaços públicos de convivência e permanência. Ainda assim, é preciso reconhecer que eles fortalecem o comércio local e trazem mais vida para as calçadas.
No mais, o que lhes parece melhor para a cidade: um parklet cheio de gente ou um carro estacionado? Chegou a viralizar a performance de um ativista reivindicando o caráter público dos parklets em São Paulo. Curiosamente, nunca vi manifestação semelhante contra carros a privatizar grande parte do espaço das ruas.
No caso da polêmica rede Oxxo, por mais que ela possa representar uma ameaça aos mercadinhos de bairro, os locais onde ela costuma se instalar apresentam elevada densidade populacional, grande fluxo de pessoas e alto potencial de consumo. Exatamente por causa dessas características, esses locais tendem a contar com um comércio bastante diversificado.
Além disso, um prédio com uma loja no térreo, ainda que da Oxxo, sempre vai me parecer melhor do que um edifício todo protegido por grades e muros – embora essa rede pareça incomodar muito mais seus críticos do que as ruas sem vida.
Por fim, se projetos como o do Pacaembu ou da Cidade Matarazzo de fato criam novos espaços cujo acesso parece restrito à elite, eles também oferecem outros abertos ao grande público, além de garantirem a preservação do patrimônio histórico sem o dispêndio de recursos do governo.
Não se trata, aqui, de simplesmente defender um ou outro lado, mas de derrubar tabus de certo urbanismo e identificar caminhos em que tanto a iniciativa privada quanto a coletividade possam sair ganhando.
É imprescindível a crítica a tudo o que está errado ou não está funcionando, mas também é preciso reconhecer os avanços e propor aperfeiçoamentos ao invés de simplesmente estigmatizar certos modelos.
A cidade pela qual caminho todos os dias está muito longe da ideal, mas, ao menos em relação às polêmicas às quais me referi, ainda prefiro mil vezes os parklets aos carros estacionados, as lojas da Oxxo aos prédios murados, e os imóveis tombados com diferentes usos, para diferentes públicos, ao patrimônio histórico simplesmente abandonado.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.