Joinville, a cidade das bicicletas
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
Scott Beyer relata seus dias conhecendo a cidade de Havana, identificando os principais contrastes com a realidade dos Estados Unidos, onde vive.
22 de junho de 2015Voltei há uma semana de minha viagem a Cuba, onde passei 4 dias passeando de bicicleta por Havana entre a mistura típica de calor intenso e chuva torrencial, voltando à minha cama e à janta toda noite coberto de fuligem. Passei os primeiros dias de volta a Miami doente e exausto num hotel, mas consegui escrever um artigo da Forbes sobre a desigualdade de Miami. A publicação foi duramente criticada na manhã seguinte pelo Miami New Times — um jornal alternativo local — por argumentos que o articulista Kyle Munzenrieder considerou “estruturalmente racistas”. Enviei a ele um email pedindo que apontasse o racismo (já que não o fez no artigo), mas não recebi resposta.
Dito isso, minha mente permaneceu em Cuba. Seria difícil resumir nesse artigo tudo que aprendi lá, porque a nação tem uma história complexa, e aplica uma lista atordoante de regulações de inspiração comunista que empobreceram o cubano médio e desafiariam a credulidade do americano médio. Nas próximas semanas, explorarei essas políticas econômicas mais profundamente para outras publicações. Aqui, farei um breve comentário sobre as condições de vida em Havana, temperada com algumas das mais de 300 fotos que tirei.
Explorando os bairros de Havana, o que saltou aos olhos não foi a pobreza da cidade (embora houvesse mais que o suficiente), mas sua escassez. O governo cubano não valoriza ou não compreende a produção em massa — especialmente na agricultura — e, por isso, há escassez de tudo. Nos EUA, tomamos como certo que qualquer comodidade básica está a algumas ruas de distância. Mas em Havana, não é tão simples. Os habitantes da cidade têm mobilidade reduzida: o transporte público (ônibus) é barato mas inconsistente, o sistema de táxis (recém-privatizado) é eficiente, mas caro, e, para muitos cubanos, ter uma bicicleta — ou, pior ainda, um automóvel — requer anos de poupança. Então eles precisam se contentar com as lojas do bairro com inventário mínimo; e, mesmo se todos tivessem carros, haveria poucos opções além do que eles já encontram.
Para entender por quê, imagine uma cidade em que qualquer loja é, literalmente, 1% do que seria nos Estados Unidos.
Enquanto uma farmácia típica dos Estados Unidos vende não apenas remédios, mas várias comidas, bebidas, mercadorias para a casa etc., a farmacia média em Havana tem algumas estantes com talvez 100 remédios — e só. Mercearias modernas dos EUA costumam ter mais de 4 mil metros quadrados, e vendem milhares de produtos. Em Havana, diferentes tipos de comidas são vendidos separadamente em lojas pequenas e precárias que contêm, geralmente, um ou dois produtos. Os mercados vendem frutas e verduras, as carnicerias vendem carne, e muitas panaderias (foto acima) vendem um rolo pouco nutritivo que poderia ser servido como um acompanhamento num restaurante sujo de beira de estrada nos Estados Unidos. O posto de gasolina típico não tinha nem um décimo do que você poderia encontrar num 7-Eleven.
Isso não surpreende, já que a maioria dos cubanos ganham em torno de 20 dólares por mês [N.T.: 60 reais], e portanto têm poder de compra irrisório. Mas a escassez afeta todas as classes econômicas. Por exemplo, como um turista americano, eu era considerado extremamente rico nos padrões cubanos, embora meus gastos tenham se limitado a meu hotel, ao aluguel de uma bicicleta, garrafas de água, consumo em cafeterias simples e tarifas de táxi. Minha única ostentação foi levar um casal local que conheci a um restaurante “requintado” (nos padrões cubanos), mas que não passaria da qualidade ou do custo de um Applebee’s [N.T.: rede americana de baixo custo semelhante ao Outback]. Após quatro dias, tudo isso custou 360 dólares. Comparado aos outros turistas americanos que encontrei, o orçamento foi extremamente econômico — ainda assim, é maior que o gasto anual da maioria dos cubanos.
Apesar disso, me vi incapaz de comprar as coisas mais básicas. Por exemplo, na minha primeira noite em Havana, não percebi que o dono do hotel não tinha oferecido papel higiênico. Nos EUA, seria um absurdo óbvio, mas em Havana, logo descobri, era normal. Isso me forçou a passear pelo meu bairro às 3h da madrugada, oferecendo pesos aos adolescentes nas ruas para trazer papel higienico de suas casas. Tentei isso algumas vezes e, em todas, eles explicariam, em tom cômico, que não tinham nenhum papel higiênico disponível. Quando encontrei um jovem que falava algum inglês, perguntei como isso era possível. Ele enviou seu irmãozinho para buscar algo e explicou que “em Havana, papel higiênico é gourmet, como chocolate”, e que a maior parte dos locais não têm nenhum de sobra. Como o povo lida com isso?
“Aqui em Havana, temos um ditado”, ele disse, sarcástico. “Dizemos, ‘cubanos têm um bom traseiro. Qualquer papel serve — papel higiênico, jornal, um livro’.”
Quando o irmão dele voltou da casa, me trazia uma única folha arrancada de seu caderno de aula. Eu descobriria depois, após entrevistar cubanos pobres, que outros luxos “gourmet” incluíam sabão, carne, leite, queijo e sorvete, e isso sem mencionar as centenas de eletrônicos e eletrodomésticos encontrados na típica casa americana.
Uma coisa que mencionei antes de ir a Havana foi que eu queria testemunhar como era a vida urbana numa cidade sofrendo de 50 anos de estagnação. Encontrei muitas coisas boas e ruins mas, para ser breve, descreverei o bom.
Havana, no centro da cidade e nos bairros periféricos, oferece uma cultura de rua cintilante dominada de pessoas, música e comércio (à moda espartana: sem conforto ou luxo). De muitas formas, era o sonho de um andarilho urbano, já que você pode passar horas passeando por ruas lotadas de pessoas amigáveis dispostas a conversar sobre sua vida a um estranho. Há, de fato, muitos lugares na cidade em que se pode passear sem encontrar uma multidão em cada quadra — em vez de ignorar um ao outro, muitos estão em comunicação perpétua, gritando de prédios adjacentes.
Essa atmosfera continua até a madrugada, quando os adolescentes permanecem na rua para beber, rir e cantar. Para eles, um gringo rico andando pela rua não é um alvo, mas uma fonte para um diálogo interessante, especialmente porque terão que se esforçar para superar a barreira do idioma.
Mas essa vida urbana é menos fascinante quando você considera que ela tem suas raízes na penúria. Muitos cubanos são forçados pela pobreza a viver em multidão — às vezes, 10 pessoas numa casa, conforme uma pessoa com quem conversei — então, naturalmente, eles vão às ruas sempre que podem. Porque muitos não podem pagar o custo de uma porta da frente ou uma janela, há pouca privacidade, e as pessoas tratam as calçadas como uma extensão de suas salas de estar. Muito poucos têm carros — e os poucos carros são muito mais lentos que os americanos. Por isso, o tráfego não é exatamente um perigo, e os pedestres podem ficar nas ruas. Porque os parques estão em estado deplorável, as crianças jogam bola nas ruas. E a área de edifícios é tão estreita porque prédios modernos são raramente construídos.
Um aspecto igualmente fascinante da cultura de rua de Havana é o declínio físico da cidade. Não é difícil notar que Havana já foi uma comunidade bastante avançada, definida por uma classe governante de comerciantes com noções sofisticadas de urbanismo. Passeando de bicicleta pelas pequenas colinas da cidade, ocorreram-me lembranças de São Francisco, ao observar a arquitetura espanhola, grande e elaborada, intercalada com graça entre pequenos parques, escadas públicas e bulevares. Agora imagine uma São Francisco que passou por 50 anos de declínio e negligência ao estilo de Detroit, e terá uma ideia da enferrujada Havana.
Eu poderia continuar falando sobre os aspectos da vida das ruas de Havana, mas seguem algumas curiosidades.
Como é de se esperar de uma ditadura comunista, há poucos símbolos religiosos mas numerosas imagens políticas celebrando a força e resistência da Revolução. Ironicamente, muitos desses símbolos estavam mal conservados.
Os carros velhos de Cuba podem ser charmosos, mas são terríveis para o meio ambiente. A idade e a falta de manutenção significam que muitos deles soltam fumaça tóxica nas caras dos pedestres. Nas partes centrais de Havana, onde as ruas são estreitas e os prédios são maiores, o fedor não se dissipa, tornando o ar irrespirável.
Eles também quebram com frequência; é difícil andar 10 quadras de bicicleta sem encontrar um carro estacionado com o capô levantado.
Nos EUA, os mercados de fazendeiros se tornaram destinos chiques que vendem produtos mais caros e de maior qualidade que os de um supermercados. As mesas dos mercadinhos são controladas por agricultores que veem isso como um hobby. Em Havana, contudo, esses mercados expõem o desespero do povo cubano; muitas mesas oferecem parafusos, partes de carro, pratos e qualquer outra coisa que uma família pode ter encontrado em meio ao lixo.
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Acabei de voltar de lá, e tive a mesma impressão que voce.
http://nicolausarquis.blogspot.com.br/2015/06/minhas-impressoes-de-havana.html
criticar Havana/Cuba sem falar do embargo econômico é, no mínimo, muita falta de caráter.