Causas e consequências

2 de setembro de 2025

Em poucas áreas de conhecimento a confusão entre causas e consequências parece tão grande quanto nas discussões sobre urbanismo. E nem vou tratar aqui da popular crença de que a construção de novos prédios (aumento da oferta de unidades habitacionais) tenderia a elevar os preços da moradia – sendo que a teoria econômica sugere exatamente o contrário!

Para ilustrar meu ponto, separei duas breves reportagens que abordam, ainda que não diretamente, alguns dos principais problemas de São Paulo: falta de espaços públicos, população de rua e violência. A primeira delas, do Globo, trata da controversa cobertura da Praça do Patriarca, projetada pelo Paulo Mendes da Rocha.

Desde que foi implantada, em 2002, entra ano, sai ano, sempre aparece alguém propondo sua retirada. Entre os que apoiam tal medida, uma das principais críticas é que a única função da cobertura seria atrair moradores de rua.

Sem entrar em discussões mais profundas a respeito da qualidade da obra (uma boa análise de Guilherme Wisnik, professor da FAU-USP, pode ser lida aqui), o fato é que, se ela atrai moradores de rua, é porque existem moradores de rua em busca de abrigo. Logo, ao menos nesse aspecto, o problema não é a cobertura em si, mas a existência de moradores de rua em busca de abrigo.

A obra, nesse sentido, não deixa de ser irônica. Considerada hostil pelos críticos por causa de suas proporções exageradas, que atrapalhariam a vista de diversos prédios históricos do entorno, ela acabou representando uma espécie de refúgio para a população de rua em uma cidade tantas vezes hostil.

A segunda reportagem, do G1, um pouco mais antiga, tratou dos projetos de implantação de “praças” na região da Avenida Paulista (sendo que um deles, o Bulevar do Rádio, já foi implantado e aberto à população em 2024). Logo de cara, chama atenção o título da reportagem, “Cartão-postal de SP, Avenida Paulista ganha dois projetos para novas ‘praças’ em meio ao aumento da violência urbana”, que contrapôs uma notícia positiva (a criação de novos espaços de permanência e convivência em uma das áreas mais movimentadas da cidade) a uma negativa (aumento da violência).

Essa escolha não me parece gratuita e reflete uma visão bastante prejudicial às cidades brasileiras, de que espaços públicos podem ser perigosos e aglomerações de pessoas seriam oportunidades para roubos e assaltos, quando, ao contrário, espaços públicos de qualidade são sinônimo não apenas de cidades mais vibrantes e interessantes, como também mais seguras.

As reportagens tratam de questões aparentemente pontuais, mas que me parecem bastante simbólicas desse entendimento equivocado de parte da população a respeito de certos problemas urbanos. O que tende a levar, consequentemente, a soluções igualmente equivocadas. Afinal, se um espaço público concentra moradores de rua, a melhor solução é eliminar o espaço público? Se uma área movimentada sofre com o aumento de roubos e furtos, a melhor solução é tentar diminuir o movimento de pessoas nessa região? 

Conforme já argumentei em outro artigo, em São Paulo parece até sobrar espaços públicos onde há pouca gente vivendo ou circulando a pé, mas faltam praças em regiões bastante povoadas. Esse me parece o caso da Avenida Paulista, um dos lugares mais visitados e movimentados da cidade, onde novos espaços de permanência e convivência deveriam ser celebrados – e nunca tratados como potenciais ameaças. Políticas de segurança pública são fundamentais, é claro, mas deveriam se aproveitar da própria vigilância natural (os famosos “olhos da rua”) dos frequentadores do espaço.

A Praça do Patriarca, por sua vez, parece ter se transformado num lugar de passagem, quadro agravado pela menor frequência de pessoas nos edifícios corporativos no pós-pandemia, muitos térreos inativos e subutilização da Galeria Prestes Maia, cujo acesso está localizada exatamente abaixo da polêmica cobertura. Antes de qualquer discussão a respeito da cobertura, portanto, deveríamos discutir como tornar aquele espaço tão bem localizado mais atrativo. 

De qualquer forma, uma coisa é certa: quando espaços públicos se tornam perigosos ou atraem moradores de rua, normalmente é porque esses espaços públicos e moradores de rua já foram abandonados pela cidade.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Economista pela FEA-USP, mestre em economia pela EESP-FGV e tem mais de 20 anos de experiência na área de pesquisas e estudos econômicos. Mora em São Paulo e caminhar pela cidade é um de seus hobbies favoritos (vitor.meira.franca@gmail.com).
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