Carros voadores e outras utopias

18 de junho de 2023

A ideia de um futuro com carros voadores (os chamados Vtols) cruzando o céu das grandes metrópoles, como no desenho dos Jetsons ou nos filmes de ficção científica nunca vai acontecer. E há várias razões para isso: é um meio de transporte (ainda mais) ineficiente em termos espaciais que o nosso carro atual, é ineficiente em termos energéticos, é inseguro, e é caro.

A ineficiência espacial divide-se em duas: estacionamento e trânsito

Estacionamento: os carros voadores decolam e pousam na vertical, então, para cada veículo, será preciso espaço livre (clearance) vertical e horizontal. Ora, esses veículos nunca poderiam decolar a partir do nível da rua, entre árvores, lixeiras, bancos, bicicletas e carrinhos de bebê, logo teria de ser em estações semelhantes a heliportos na cobertura dos edifícios, garagens verticais ou, eventualmente, em grandes parques de estacionamento preparados para tal.

Portanto, quem quisesse ter um carro voador, teria que obrigatoriamente ter um heliporto sobre a sua casa e um lugar de garagem garantido no destino. Os edifícios teriam de ter garagens nos andares de cima em vez de em baixo.

Portanto, eu estimo que 99,9% dos edifícios e casas teriam de ser reformados para estacionar esses veículos nos últimos andares. Esqueçam, isso nunca vai acontecer.

Em trânsito: quanto mais rápido um carro se desloca, mais espaço ele necessita do carro da frente e do carro de trás. Para os helicópteros (o veículo mais próximo do eVtol), é ainda mais gravosa a situação, pois precisam de ainda mais espaço.

Os céus da cidade teriam vários níveis de rodovias aéreas. Por mais inteligente que fosse o sistema de gestão do tráfego aéreo, comunicação e cooperação entre veículos, por questões de segurança, o espaçamento vertical e horizontal entre eles teria de ser grande, tornando o sistema de rodovias pouco eficiente em termos espaciais.

Nunca poderíamos ter engarrafamentos aéreos com carros voadores circulando muito próximos uns dos outros, como nos Jetsons. Também, teríamos limitações diversas como espaços aéreos exclusivos de aeroportos e zonas militares. Resumindo, imaginem toda a malha viária atual sendo replicada sobre as nossas cabeças, mas ainda menos eficiente em termos espaciais. Esqueçam, nunca vai acontecer.

A ineficiência em termos energéticos. Só por ser elétrico não quer dizer que é amigo do meio ambiente

A batalha que se vive hoje em dia não é, de todo, para substituir os veículos a combustão pelos elétricos. Quem pensa assim está enganado. É para os carros tornarem-se mais eficientes em termos energéticos. Por isso, um carro elétrico como este não faz sentido e não ajuda nas metas de redução de poluição, é areia para os olhos.

Os eVtol não são eficientes em termos energéticos para a mobilidade urbana, ponto final. É transporte aéreo na mesma. Para manter um helicóptero no ar gasta-se muita energia, o helicóptero está sempre lutando contra a gravidade, seja com um motor elétrico ou a combustão. No mesmo ano em que se discute a proibição de voos curtos para trajetos onde existe oferta de trens equivalente, startups de eVtols propagandeiam a ideia de carros voadores como uma nova solução de mobilidade urbana. Esqueçam, isso nunca vai acontecer.

Insegurança: E se dois eVtols batem no ar? Pedaços de lataria irão cair nas nossas cabeças?

Eu já referi que esses veículos não poderiam conviver com a vida urbana nas ruas: imagine você passeando com o seu cachorrinho pela calçada e uma máquina dessas começa a decolar, puxando o ar à volta para as suas turbinas. Ainda puxam o seu cachorro também!

O problema dessas invenções é que elas funcionam bem sozinhas, mas criam muitos problemas quando escaladas e operadas em conjunto. É como a publicidade de carro: as ruas estão sempre vazias.

Por mais inteligente que seja o sistema de controle de tráfego aéreo, com tantos carros no ar é impossível garantir a segurança. Uma pequena batida, por mais banal que seja, iria fazer chover pedaços de metal nas nossas cabeças. E esse seria o menor dos problemas: e uma batida séria com dois ou mais eVtols sobrevoando um meio urbano denso? O nível de ansiedade das pessoas na rua seria elevado. Esqueçam, isso nunca vai acontecer.

Caro: o transporte aéreo será sempre mais caro que o terrestre

As máquinas que estão no ar, para não caírem, precisam estar constantemente lutando contra a gravidade e isto não é barato. A quantidade de energia utilizada por passageiro transportado é elevada e nunca vai deixar de ser. Por mais barato que se torne ao longo dos anos o custo da energia, o transporte aéreo sempre será mais caro que o terrestre. Esqueçam, isso nunca vai acontecer.

Popular o nosso céu com carros voadores é uma péssima ideia. As soluções para a mobilidade urbana já são conhecidas e acontecem aqui em baixo, ao nível da rua: bom transporte público, andar a pé e de bicicleta, menos incentivos ao carro particular e, acima de tudo, coragem política.

A tecnologia não vai resolver todos os nossos problemas!

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Engenheiro civil, Doutor em Sistemas de Transportes. Consultor de mobilidade, logística e transportes com 10 anos de experiência. (schlickmannmarcospaulo@gmail.com)
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