Para arquitetas e arquitetos, com amor.

19 de dezembro de 2025

Meus desejos a quem abraça nossa profissão

Há pouco tempo, reli um discurso de paraninfa que fiz para os formandos da FAU/UnB do 1/2022, a pedido da Juliana Albuquerque, uma querida ex-aluna dessa turma. Achei que ele poderia ser apropriado como uma mensagem de fim de ano para esta coluna, e peço licença para publicá-lo aqui.

Queridos formandos e queridas formandas,

Muito obrigada por me terem escolhido para ser sua paraninfa. Fiquei muito honrada e emocionada com seu convite, feito com aquele texto tão delicado e generoso.

A profissão de professor nos exige conhecimento, mas também cuidado e, dentro das nossas limitações, que são muitas, a gente tenta trazer um pouco dos dois para as nossas disciplinas.

Aliás, os tempos exigem conhecimento e cuidado. O Brasil exige conhecimento e cuidado.

Conhecimento para embasar nossas ações, porque não podemos mais nos dar ao luxo de tentativas e erros, quando a história, a realidade implantada e os estudos precedentes estão aí a nos apontar caminhos, para seguirmos na seara do acerto e pouparmos tempo e recursos para chegar a cidades mais justas, bairros mais agradáveis, edifícios mais sustentáveis, lugares mais belos.

Cuidado para lidar com as pessoas, tratando-as de forma muito humana e respeitosa, nas diferentes relações que nossos projetos exigem ou possibilitam, porque sem empatia não conseguiremos colaboração, sem tolerância não construiremos nada, sem reconhecer privilégios e desigualdades não agiremos de forma responsável.

Vocês estão entrando na profissão de arquitetos e urbanistas, e eu pensei em desejar a vocês que muitas portas se abrissem em seus caminhos. Mas aí lembrei que quem projeta as portas somos nós, e resolvi desejar aqui uma outra coisa.

Desejo que vocês abram muitas portas nos caminhos das pessoas. De todas as pessoas.

Desejo que, ao desenhar edifícios, vocês não projetem paredes cegas, garagens afloradas, edifícios hostis que pouco se importam com a cidade. Desejo que projetem edifícios gentis, que se preocupam com as pessoas, que se colocam no nível do pedestre, que abrem portas e janelas para os espaços públicos, que não se fecham em muros e nos permitem ver seus jardins.

Desejo que, ao projetar ou intervir nas nossas cidades, que prevejam conexões, que favoreçam o ir e vir, que tornem tudo acessível. Desejo que não criem barreiras ou descontinuidades, nem segreguem, isolem, criem distâncias. Que não concentrem usos ou desenhem bairros homogêneos, locais com catracas, cancelas, guaritas. Tudo isso são portas que se fecham para os que têm menos escolha. Nada disso ajuda na construção da cidade democrática e humana de que a gente precisa.

Desejo por fim que vocês mesmos sejam portas abertas, para que por elas possam sair o preconceito, o achismo, o conformismo, e que por elas possam entrar o diferente, o conhecimento embasado, a vontade de devolver à sociedade o que este ensino público lhes proporcionou.

Em 2004 conheci Berlim e, num fragmento do muro impensável que separou aquela cidade por 28 anos, li um verso de Carlos Varela:

desde que existe el mundo
hay uma cosa cierta:
unos hacen los muros
y otros hacen las puertas

Façam portas, abram portas, sejam portas abertas.

Abrir uma porta onde antes era um muro pode parecer uma contribuição humilde, mas – acreditem – ela é revolucionária.

Feliz 2026.

Com carinho,
Gabi

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. (ceep.unb@gmail.com)
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