Com criança, na cidade

25 de outubro de 2024

O carrinho liberta e inclui, mas a cidade precisa ajudar

Em 1992 eu estava em Gdansk, na Polônia, fazendo intercâmbio, e vi pela primeira vez uma criança de mais de 2 anos de idade num carrinho. No Brasil, até então, eu só tinha visto em carrinhos crianças que não sabiam caminhar. Afinal, eles se chamam “carrinhos de bebê”, não?

Minha primeira reação foi observar se a criança possuía algum tipo de limitação para locomoção. Não tinha. Achei aquilo estranho: para que um carrinho para uma criança que sabia andar? Olhei para a mãe, já pensando que ela deveria ser daquelas pessoas que mimam os filhos, não os deixam ser autônomos etc. (é muito comum uma pessoa que nunca teve filhos querer julgar o filho ou a forma de criação dos outros… Parei de fazer isso no instante em que me soube grávida!).

Vim a ser mãe 6 anos depois. Aí eu entendi.

Crianças se cansam. Crianças nos cansam. Sair com uma criança pequena não é simples. Não é simples nem quando o objetivo da saída é justamente levá-la para passear ou se divertir, que dirá quando o objetivo da saída é outro, e não se tem alternativa senão levá-la junto, pois não tem ninguém pra ficar com ela em casa.

Fazer compras de mercado, buscar roupa na lavanderia, conversar com o gerente do banco, resolver algo num órgão público, levar um eletrodoméstico para consertar, ir ao cartório… Compromissos que às vezes a gente nem sabe se vão demorar ou não, em lugares que a gente nem sabe se serão legais para uma criança ou não, mas aos quais temos que ir. Levando a criança pequena num carrinho, a gente não só garante que ela terá onde descansar, se não quiser mais caminhar, mas também que será possível usá-lo para transportar bolsas e sacolas. Se ela não for a única criança que a gente precisa levar conosco, tê-la no carrinho nos ajuda a cuidar da(s) outra(s).

O carrinho, de certa forma, liberta o adulto e a criança. Torna o deslocamento mais leve, mais agradável, mais confortável. É um apoio. A gente se cansa menos. Mas… para levar criança num carrinho, é preciso que a cidade ajude.

Imagine você ou outras pessoas de diferentes bairros da sua cidade precisando sair de casa para resolver coisas no centro, levando menino pequeno. Pense no transporte público no qual não dá pra levar nem aquele carrinho tipo guarda-chuva, leve e dobrável; nos obstáculos do trajeto; na inexistência de rampas; nas escadas rolantes e elevadores que não funcionam na rodoviária, nos caminhos descontínuos e desnivelados, no faça-cada-qual-a-sua-calçada que torna o pavimento uma colcha de retalhos… e vocês lá, tentando empurrar um carrinho. É muito penoso, às vezes simplesmente impossível.

Nas áreas mais centrais em que já fiz levantamento de campo, quase nunca vi crianças em carrinhos: estão sempre no colo (é muito incomum ver crianças em mochilas ou slings. Seria interessante investigar o porquê, sendo isso uma forma tão ancestral de trazê-las junto a nós, enquanto realizamos nossas atividades). Ela vai no colo porque é mais fácil de o adulto levá-la quando cruza a rua, quando sobe uma escada. Ela pede colo quando não quer mais caminhar. Mas nem todo adulto dá conta de carregar uma criança, e nem toda criança é passível de ser carregada, por diversas razões. Um carrinho pode ser algo muito democrático e inclusivo.

O meio urbano é uma fonte infinita de interesse para a criança, para quem um mundo que a gente já naturalizou se descortina. Acompanhar-nos não é necessariamente um problema para ela, que está aberta a novas experiências, que está aprendendo o tempo todo. A cidade, no entanto, precisa estar estruturada para que sair com uma criança seja uma vivência prazerosa e tranquila.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. (ceep.unb@gmail.com)
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