Você está andando em alguma rua deserta na sua cidade e, de repente, escuta passos atrás de você. Se você é uma mulher, quase certeza de que vai torcer – e muito – para que não seja um homem vindo atrás de você. Neste momento, passam várias coisas na cabeça: Como eu fujo dessa situação? Se eu gritar, alguém vai escutar? Será que serei assaltada ou agredida? E se eu for estuprada? Quem vai cuidar dos meus filhos e parentes se eu não estiver mais aqui?
O machismo e o patriarcado estruturais fazem com que a presença das mulheres nas ruas seja sempre acompanhada da sensação de insegurança e vulnerabilidade. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva e Patrícia Galvão, 71% das mulheres já vivenciaram pessoalmente ao menos uma situação de violência enquanto estavam a pé, sendo o estupro e o assalto os crimes mais frequentemente relatados. Além disso, mulheres negras são a maior parte das vítimas: 56% relatam já terem sido vítimas de estupro, 34% de assalto/furto/sequestro relâmpago, e 56% de racismo enquanto estavam a pé.
Por isso, não é de se surpreender que 9 em cada 10 mulheres afirmam que a segurança é a sua principal preocupação enquanto se deslocam pela cidade, e que 8 em cada 10 consideram que os espaços públicos são mais perigosos para as mulheres do que para os homens.
No entanto, embora tenham seus movimentos limitados pelo medo, a maioria das mulheres não tem escolha e precisa se deslocar por causa do seu papel de cuidado (trabalho não remunerado) com a casa, com os filhos, idosos e outros familiares e, por isso, são as que mais caminham nas cidades brasileiras, como mostram os dados:
Por causa desse papel social, seus trajetos são bem diferentes dos dos homens. Enquanto as viagens deles são geralmente do tipo pendular – da casa ao trabalho, do trabalho à casa -, as delas são do tipo poligonal e ligam diferentes percursos para desempenhar funções diversas – da casa para a escola, da escola para o trabalho, do trabalho para o mercado, do mercado para a escola, e por aí vai.
Mas, as barreiras de deslocamento não se limitam ao medo e à insegurança. Elas incluem também a falta de infraestrutura e de condições para caminhar – já pensou como é andar levando um carrinho de bebê? -, espaços públicos que não convidam a presença feminina – como campos de futebol sem outras facilidades -, as propagandas sexistas – que sexualizam o corpo das mulheres nos muros e outdoors -, a falta de representatividade nos nomes das ruas e nos monumentos, entre outras. Essas barreiras influenciam de forma tão negativa que uma pesquisa da ActionAid (2016) no Brasil afirmou que 33% das mulheres deixam de acessar empregos devido a barreiras de deslocamento, e 22% interrompem seus estudos.
Estes dados são fundamentais para entendermos o presente do deslocamento das mulheres nas cidades e planejar um futuro mais acolhedor e justo. Somada a essas problemáticas vivemos uma crise climática em que as mulheres são – e serão – as mais afetadas. De acordo com relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), 70% da população mundial vivendo em condições de pobreza são mulheres, o que pode aumentar, já que 160 milhões delas poderão ser empurradas para a pobreza por causa das alterações climáticas. E essa situação é ainda mais grave para mulheres negras e de comunidades tradicionais, como indígenas e quilombolas, que são ainda mais vulnerabilizadas e que muitas vezes dependem da terra e da natureza para sobreviver. Além de tudo isso, as mulheres têm que reagir aos desastres tomando decisões por si e pelas pessoas de quem elas cuidam, que podem ter limitações de mobilidade ou outras dificuldades motoras.
Em março, comemoramos o Mês da Mulher. Para nós, essa data serve de reflexão sobre o quanto as cidades são desiguais e excludentes, pois são fruto de um planejamento urbano feito principalmente por homens, a partir de uma perspectiva técnica, e sem a participação da população em sua diversidade.
Algumas cidades já estão revertendo essa sensação de medo (ainda que não de forma integral, mas pontual), criando oportunidades para mulheres e meninas estarem nos espaços públicos à noite e sonharem com uma cidade diferente. Esse é o caso do Via Parque Caruaru, em Caruaru (Pernambuco) – projeto vencedor do Prêmio Cidade Caminhável em 2021 na categoria Cidades Médias -, e do Parque Rachel de Queiroz em Fortaleza. Ambos transformaram espaços abandonados em parques lineares seguros e educativos, o que trouxe grande impacto social para mulheres e crianças, aumentando o uso durante o dia e à noite.
Precisamos ir além de alguns projetos isolados e reconhecer essas disparidades de gênero ao planejar políticas públicas e espaços urbanos, envolvendo ativamente as mulheres no desenvolvimento de cidades mais inclusivas e seguras, colocando o caminhar no centro do planejamento urbano. Precisamos nos apropriar das ruas e cobrar políticas públicas para construir cidades seguras para mulheres e meninas! Cidades que cuidam e acolhem! E aí, vamos juntas?
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.